Por Gilberto Moura
Nos meus tempos de criança, Afogados e Região era grande produtora de algodão, verdadeiro ouro branco que fez a prosperidade de muitos e a miséria de outros tantos quando sucumbiu à praga do bicudo. Como a região foi colonizada por patas de boi, ou seja, desbravada pela Casa da Torre para a criação extensiva de gado bovino destinado a alimentar os escravos dos engenhos de açúcar do litoral, arraigou-se na região a pecuária bovina, ainda que rudimentar e de pouca produtividade.
Mesmo assim, cheguei a ver e visitar fazendas maravilhosas, geradoras de riquezas e de empregos tanto na lavoura quanto na pecuária e na rudimentar agro-indústria da farinha de mandioca e dos engenhos de melaço e rapadura. Passado quase meio século, posso citar a Fazenda Riacho do Mel de Posidônio Gomes, homem poderoso, pai de deputado, prefeito de Afogados e de Sertânia onde repousam seus restos mortais; cito ainda a fazenda de José Virgínio em Iguaraci que fazia a melhor rapadura da região, a fazenda de Lolô na Serrinha, a dos Rafael em Jabitacá e acima de todas elas, a que mais me impressionava pelo dinamismo e pujança, a fazenda de Anselmo Correio na Queimada Grande. Propriedade maravilhosa, ricamente aparelhada com engenho e casa de farinha, açude, tropa de cavalos de grande qualidade e rebanho bovino dos melhores da região.
Hoje recordo com tristeza, todas sem exceção deixaram de produzir. Viraram casa de campo de algum herdeiro mais esperto ou foram retalhadas e vendidas na bacia das almas a troco de banana. Mas, deixando a tristeza de lado, voltemos ao relato.
Anselmo Correia era um empreendedor, um curioso nato, um autodidata. Daquela figura minúscula fisicamente sempre se podia esperar grandes feitos, a forma como tocava sua fazenda era a prova maior de sua capacidade pessoal. Seu rebanho bovino não se resumia ao gado pé-duro, tão comum no Sertão, descendente ainda do gado português de baixa qualidade com o qual Garcia D'Ávila colonizou a sua sesmaria, era muito melhor, pois Seu Anselmo, já naquela época pensava em melhoramento genético, inseminação artificial e tantas outras técnicas que só viriam a se popularizar a pouco mais de 10 anos.
Na sua fazenda tinha um reprodutor, um touro guzerá meio-sangue, de grande produtividade, chamado Mimoso. Naquele tempo não havia congelamento de sêmem em nitrogênio como hoje, colhia-se o sêmem na hora, fazendo o touro ejacular numa vulva artificial, dividia-se o sêmem em doses menores e aplicava nas vacas ali mesmo. Cada monta de Mimoso rendia de 10 a 15 doses de sêmem de alta qualidade e sempre resultavam em prenhês positiva e bezerros de boa linhagem. Não bastasse tanto, Mimoso era de uma docilidade inacreditável para um animal daquele porte, era portanto, o xodó do velho fazendeiro. Mas, o tempo é o tempo e por conta do tempo, Mimoso foi ficando velho e suas qualidades reprodutivas foram escasseando e para Seu Anselmo aquilo era desesperador. Na época Afogados tinha a filial de uma empresa americana que comprava algodão "in natura", a Boxwell & Cotton Company. Não sei como, mas o certo é que a decadência de Mimoso chegou aos ouvidos de um agrônomo americano que prestava serviços à Boxwell.
Assim é que certo dia esse senhor chegou a fazenda de Anselmo Correia com uma maleta muito bonita, querendo uma meia hora de atenção, segundo ele para resolver o problema do touro Mimoso.
Seu Anselmo era um cavalheiro, recebeu a visita, mandou servir sucos e frutas e se colocou à disposição do americano.
O americano começou a falar com seu carregado mas compreensível sotaque:
- Senhor Anselmo, o que trago para lhe demonstrar, vai resolver a baixa produtividade do seu reprodutor por mais 5 ou 6 anos, ele vai voltar a produzir com a mesma freqüência e quantidade de um touro novo.
Dito isto, abriu a maleta e apresentou a sua maravilha:
- Veja Senhor Anselmo, isto é um ejaculador eletromagnético, a última grande invenção da veterinária americana!
Disse isto exibindo um cilindro de cobre do diâmetro de uma garrafa de refrigerante com uns 60 centímetros de comprimento e ligado por dois fios a um magneto de manivela, semelhante aqueles usados em telefones antigos e que a policia menos esclarecida usava e até usa hoje em dia como instrumento de interrogatório.
E explicou:
- Veja que simplicidade senhor Anselmo, o senhor introduz esta sonda (o cilindro de cobre) no ânus do touro e gira esta manivela, dai ocorre uma descarga elétrica cientificamente calculada no organismo do touro e ele ejacula.
Seu Anselmo ficou contemplando aquela parafernália à sua frente e sem encontrar razoabilidade alguma naquela proposta, indagou:
- O senhor está sugerindo que eu coloque isso no meu touro e ainda dê um choque? O senhor já viu meu touro? Já cortou palma para ele? Já deu água? Já fez um carinho na testa? Já viu os netos de 5 a 6 anos brincando com ele como quem brinca com um gatinho ou um cachorrinho? Já viu um filho do meu touro? Sabe de quantos campeões de exposição ele é pai por esse mundo a fora? Tem idéia de quanto dinheiro ele já me deu? E finalizou:
- Meu amigo, se eu lhe disser onde eu estou com vontade de enfiar esse troço e dar um choque o senhor não acredita! Acredita?
O americano respondeu:
- Senhor Anselmo, eu acredito, até mais ver Seu Anselmo, até mais ver.
O americano nem esperou seu Toreba ir buscá-lo de volta, foi a pé da Queimada Grande até Afogados, e foi ligeiro, "visse"?
quarta-feira, 29 de abril de 2009
O Touro Mimoso, o Fazendeiro e o Americano
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