sexta-feira, 27 de novembro de 2009

ZÉ QUEBRA PANELA

Era um matutinho nascido ali perto de Tabira. Comprido, zarolho e desdentado, feio de quebrar resguardo de raposa, mas portador de uma sagacidade e de uma capacidade de enganar o seu semelhante sem limites, andava bem vestido e calçava sapatos de duas cores, um evidente indicativo de malandragem na época para uns, para outros, e um traço de boemia que distinguia os seres iluminados e raros que ousam ser diferentes. Zé era o nosso João Grilo.

Vendia e comprava tudo, mas gostava mesmo era de negociar com fumo de rolo nas feiras. A banca de fumo, numa feira, era, talvez, a mais simples, uma vez que não tinha sequer uma lona cobrindo; era aquela mesinha feita com velhas tábuas de caixão, acinzentadas pelo sol e pela chuva, com os pregos torcidos e mal pregados, um tronco de pinhão ou um pedaço de corda queimando com o fogo eterno de uma pira sagrada onde os matutos iam acender os cigarros e economizar os fósforos, que, como todo produto industrializado, eram caros; o matricó era pouco usado, pois dava trabalho para acender , o isqueiro nem pensar, viria muitos anos depois.

Mas Zé achava que Deus vivia lhe chamando pra outra missão mais nobre do que envenenar os pulmões daqueles desgraçados que lhe compravam fumo, e se meteu a fazer imagem de santo, ser o novo Aleijadinho daqueles Pajeús, numa inspiração que ele considerava ter vindo direta do céu.

Passou o nosso Roque Santeiro, a viver dentro das caatingas, juntando troncos secos de imburana, com os quais fazia as imagens, que, por faltar-lhe um mínimo de jeito para a coisa, estas saíam todas tronchas e com as feições “labrogeiras”, como dizem os matutos.

Aproveitando o “embalo”, quando a ocasião favorecia, vendia também lascas de tábuas de velhos caixotes de sabão, que jurava serem milagrosas, por terem sido tiradas do caixão do santo “Padim Ciço”. Repetia o gesto dos soldados romanos rateando o manto sagrado, quando negociava mulambos de tecido preto afirmando serem garras miraculosas da batina do “Meu Padrinho”.

Um dia, estava ele na feira, comercializando esses produtos completamente heterogêneos: a banca de fumo e a de santo ali junto, quando chegou uma devota, velhinha com cara de rezadeira e de quem entendia do traçado:

– Meu senhor, eu conheço um magote de santo, já “froquentei” muita novena, igreja, o diabo a quatro – Já paguei muita promessa, mas estou aqui “mei atrapaida”, isto aqui é São José ou Santo Antônio?

Zé, com ar professoral, explicou:

– Olhe, minha senhora, o santo se tiver com o menino no braço direito, é São José, se tiver no braço esquerdo, é Santo Antônio, agora se o bicho tiver um par de chifres, um rabo e um espeto comprido na mão, não chegue nem perto que isso aí é o satanás!

Outra vez, em uma de suas transações, um cabra mais sabido “empurrou-lhe”, literalmente, dois rolos de um fumo muito ruim que ele não conseguia vender de jeito nenhum; o matuto chegava, cheirava, “arripunava”, ia embora e nada de comprar.

Não se deu por vencido, botou tudo num saco e danou-se para a feira de Sertânia, que ficava para outras bandas e onde ninguém lhe conhecia as manhas. Já no adiantado da hora, a feira

terminando e nada de comprador, Zé se aperreou e apelou para um recurso no qual ele era mestre: o seu marketing pessoal.

– Óia, pessoá, quem comprar desse meu fumo agora, vai tudim pro juazeiro comigo, eu levo tudim pra o Juazeiro do meu Padim Ciço!

Não demorou muito, e lá se foram os dois rolos de fumo. Também, quem era besta perder uma promoção daquelas!?

Um pedaço aqui, outro ali, e vendeu toda aquela mercadoria de péssima qualidade.

A coisa ia bem, até que chegou uma velhinha apressada:

– Ô, meu senhor, adonde tá o caminhão mode noís ir botando os troços em riba?

Zé pegou na bucha:

– Que caminhão que nada, dona Maria aonde foi que a senhora já viu pagar “premessa” de caminhão?

– O meu “Padim” não gosta de caminhão chegando lá não! Nóis vamo tudo é à pé.

Promessa é promessa!

Por Zelito Nunes

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

FRANÇA MENEZES, UM FILÓSOFO DO BOI VELHO

França foi como quase todos dali, também agricultor, depois dono de bodega e finalmente vereador na cidade de Ouro Velho. É sobrinho de Cabôclo Ferreira, primo de Joaquim Menezes e de Cabôco Ferreira .

França, tinha aquela têmpera de sertanejo feito pra durar eternamente mas teve que viajar há uns seis meses atrás, isso com mais de noventa e seis anos. Semi-analfabeto, nunca deixou sem resposta qualquer que fosse a pergunta a ele dirigida .

As suas respostas carregadas de refinado humor, ainda divertam aos que o procuravam. Proprietário de uma padaria, foi o continuador da fabricação das famosas “BOLACHAS MENÊS” que foram inventadas por uma sua tia , juntamente com uma vizinha, chamada Madalena Nunes, tia de meu pai.

As famosas “BOLACHAS MENÊS” como são chamadas vêm de uma tradição que já dura quase um século. São um produto genuinamente Ourovelhense e a sua fórmula é tão secreta quanto a da coca cola são fofas e adocicadas contendo um forte sabor de canela e cravo, ir a Ouro Velho e não provar as tradicionais bolachas Menês, é um sacrilégio tão grande quanto ir à Roma e não ver o Papa.

As bolachas “Menês”, são componentes obrigatórios da bagagem de qualquer ourovelhense com destino a outroslrincões do país, principalmente São Paulo e Brasília, destino fatal da maioria dos que emigram dali.

Antes mesmo do abraço e da saudação quando chega numa dessas cidades, o ourovelhense saúda o conterrâneo com um pacote de bolachas nos peitos.

Na década de cinquenta, França era proprietário de uma pequena bodega em Boi Velho, e naquela época, por não existir ainda a luz elétrica no lugar, o consumo de querosene era alto, e todo estabelecimento, tinha uma lata grande de dezoito litros, em cima de um tamborete, com uma torneirinha por onde escorria o líquido que enchia as garrafas dos fregueses.

Um dia, chegou uma pessoa procurando querosene, e França, mandou Sebastião seu filho, ainda menino, encher a garrafa do freguês.

Era dia sete de setembro e, justamente na hora em que Sebastião abriu a torneira da lata e botou a garrafa embaixo, o desfile ia passando na porta da bodega e ele correu pra ver a parada que só ocorria, uma vez por ano.

Bastião ficou lá vendo a festa e nem se lembrou do querosene, que a essa altura já tomava conta de todo o estabelecimento.

França gritou por Sebastião que finalmente lembrou-se da garrafa que havia deixado na boca da torneira.

Correu de volta, e ao entrar na bodega, já foi debaixo de pau!

— Oi pai, porque está dando em mim? Perguntou se fazendo de inocente.

E França:

— Pra você saber que dentro de uma garrafa não cabe uma lata de querosene!

Por Zelito Nunes

domingo, 15 de novembro de 2009

Nóis tamo é lascado!

Dois matutos de Monteiro no Cariri paraibano, cansados da seca e das promessas dos políticos, decidiram tentar a vida em uma cidade grande. Venderam o burro, o jumento e o cavalo e na esperança de um dia voltar, rumaram para o Rio de Janeiro.

Chegando lá, por sorte, arranjaram empregos de serventes em uma pequena construção, o salário era pequeno mal dava para sobreviver e raramente sobravam alguns trocados para enviarem para aos familiares na Paraíba.

Durante o período do carnaval dois árabes, fazendo turismo no Rio, passaram em frente à obra e viram os paraibanos de enxadas nas mãos, mexendo areia e cimento. O sol estava escaldante e os nordestinos suavam até pela ponta do nariz. Os turistas se aproximaram e admirados de tanta bravura, perguntaram quais os salários dos dois. Eles informaram que ganhavam o salário mínimo e que era muito pouco.

Os turistas, perguntaram se eles não aceitavam ir morar na Arábia Saudita e trabalhar lá recebendo salários mais justos. Os paraibanos esclareceram que não seria possível viajar para um lugar tão longe, pois faltava o dinheiro das passagens. Os árabes afirmaram que isto não seria um problema já que os mesmos estavam de avião particular e daria para levar os dois.

Depois do carnaval e após uma prece ao Padim Pade Ciço, os nossos irmãos embarcaram para mais uma aventura. Quando o avião estava sobrevoando o deserto do Saara, apresentou uma pane, sendo necessário um pouso não programado.

Um dos paraibanos desceu do avião, olhou em frente só viu areia, do lado direito areia, do lado esquerdo e na parte de trás também só se via areia e ai ele com ar de preocupação virou-se para o companheiro e falou: SEVERINO, NÓIS TAMO É LASCADO QUANDO CHEGAR O CIMENTO!

Por Severino Nunes de Melo

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O SOLDADO ZÉ DE ESTER

Por Zelito Nunes

Nasceu no Boi Velho, que na época pertencia à Monteiro e era família dos Bernardos e de Cabôco Ferreira todos gente afamada naquelas quebradas dos Velhos Cariris.

Só tinha um problema , Zé que era pequeno e magro que só um sibito, queria a todo custo entrar pra gloriosa Polícia Militar da Paraíba, onde pretendia alcançar quem sabe , o posto de marechal , uma patente muito em voga no exército brasileiro , isso lá no limiar dos anos sessenta aonde era tido como certo que o mundo ia se acabar e os Estados Unidos , alimentavam uma guerra idiota com os comunistas da Rússia , fato que nem de longe interessava a Zé.

Apesar da compleição física contrária a qualquer regimento militar – um metro e cinqüenta e poucos centímetros, e uns cinqüenta e poucos quilos, Zé , por indicação de um padrinho forte, foi incorporado à briosa Polícia Militar da Paraíba.
De farda cáqui , quépi e coturno , ele era o próprio Zé Carrapeta , personagem do poema O ABILOLADO, do poeta Chico Pedrosa.

Depois que passou "a pronto" foi lotado no quartel de Campina Grande , onde enfrentou a antipatia do comandante que não lhe dava descanso.

Cumprido o prazo de recolhimento e treinamento no quartel de Campina , eis que chega a hora do bravo contingente partir para cumprir o seu dever ou seja: Todo mundo ir para o interior , estabelecer a ordem nas regiões mais críticas onde ainda imperava o "faroeste" , quando se falava que o rifle 44 , era a justiça do Piancó.

Conceição na Paraíba, por exemplo, não era naquela época o melhor lugar do mundo pra se ser soldado de polícia.

Zé morria de medo de ser enviado pra lá o que era quase certo por parte do seu comandante truculento .

Todo mundo perfilado , o comandante gritando , soldado fulano, vai pra tal lugar , soldado cicrano tal lugar e quase chegando a vez de Zé que teve uma idéia terminal, começou a falar bem alto, como se estivesse conversando com os colegas:

"Não me mandando pra Prata nem pra Ouro velho , onde eu tenho inimigos , pra mim qualquer lugar, tá bom".

Não deu outra, o chefão gritou de lá:

Soldado José Paes de Lira, vai destacar na Prata.

E Zé queria outra coisa?

Nunca foi promovido, nunca prendeu ninguém (pelo menos sozinho), e também até morrer, nunca mais saiu do eixo Prata/Boi Velho, onde fez muitos amigos e compadres e tomou suas cachaças até viajar desta para a melhor, em baixa definitiva.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

BOCA DE NOITE NO SÍTIO

Durante a minha infância, vivida e bem vivida, no Sítio Boa Vista dos Nunes, município de Ouro Velho (PB), era comum, ao entardecer, no momento em que luz do sol derrubava as últimas fagulhas no infinito e a claridade da lua e das estrelas iluminavam a velha calçada da nossa casa, reunir-se um grupo de pessoas para contar os causos sertanejos e relatar as novidades do sítio.

Eu deitava no colo da minha Maria que sentada ao lado do meu pai Davi Nunes, Davi Ribinga como era conhecido ou simplesmente tio Davi para os mais íntimos e ali ficava em silêncio ouvindo as conversas que giravam sempre em torno de secas; de pescarias: de caçadas; de cangaceiros como: Lampião e Antonio Silvino; da brutalidade inocente de Caboclo Ferreira; das proezas do vaqueiro Vicente Matias e tantos outros.

Era bom ficar em silêncio ouvindo aquelas belas e singelas historias. É certo que às vezes a conversa passava para as coisas do outro mundo. Almas penosas que vagavam por aqueles sertões assombrando medrosos como eu, ou distribuindo botijas para aqueles que tinham nas veias a coragem do sertanejo.

Quando as conversas giravam em torno de assombrações, era um martírio para mim, pois mesmo com sono e às vezes quase mijando nas calças, não tinha coragem de entrar em casa sozinho, tendo que aguardar o meu pai começar a bocejar, sinal que alertava a todos para a hora de se recolher, ouvia-se um: BOA NOITE, INTÉ AMANHÃ! E todos rumavam para suas casas, cansados do dia árduo de trabalho, mas com a esperança de dias melhores.

Por Severino Nunes de Melo

 
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