quinta-feira, 7 de maio de 2009

Nêgo Daniel e o Circo do He Man em Carnaíba


O amigo Darésio fez uma observação muito oportuna em relação ao blog Causos & Contos. Segundo ele os textos estão demasiadamente cumpridos, o que na maioria das vezes desestimula a leitura. Como aqui quem manda é o freguês nós vamos a partir deste momento procurar ser mais objetivo.

No final dos anos 90 passou em Carnaíba um circo que tinha como principal atração um homem branco, de cabelos cumpridos, apelidado de He Man. Desde que me entendi de gente, nunca vi uma criatura tão forte. Interessante é que ele fazia a abertura de seus árduos trabalhos com um agradecimento ao Deus de Davi, de Jacó e de José. O público ficava boquiaberto com tamanha fé.

A cada dia o espetáculo do pequeno circo era mais atraente aos olhos dos espectadores, isso porque He Man enfrentava vinte homens sozinho e botava todos pra correr a socos e pernadas. Até velho de 80 anos em cadeira de roda ia assistir o lutador descer a lenha em seus obstinados desafiantes. Foi o maior sucesso a passagem do personagem no Sertão do Pajeú.

Durante manhã e tarde o carro de som anunciava pelas ruas de Carnaíba, mais um espetáculo e claro a grande atração da noite. Ao som do microfone de um Opala azul, diga-se de passagem, velho e caindo os tacos, um magricelo de cabelo encaracolado anunciava:
-Não perca logo mais à noite mais um espetáculo do Circo Transamérica. Hoje a cobra vai fumar com a turma do Nêgo Daniel enfrentando o He Man. A madeira vai deitar com a galera do alto Santa Luzia!

Eu estava de serviço próximo ao Banco do Brasil, mesmo no auge do famoso mosquetão, o chamado pau de ferro dos policiais militares, hoje resta somente à lembrança dos coitados, encontrados apenas em museus. O carro rodou o dia inteiro e não deu sossego a população anunciando o Nêgo Daniel como principal desafiante de He Man. Passei a tarde toda imaginando que o desafiante seria um homem robusto, moreno, malhado e acima de tudo caceteiro nas pegadas.

Ah, mais isso estava na imaginação de muita gente. Quando a rumbeira balançou o esqueleto pra galera dar uma salva de vaias, as arquibancadas já estavam repletas, sem espaço nem para Darésio dar um pêido daqueles... O vendedor de pipocas, algodão doce e daquelas maçãs avermelhadas cobertas de mel por cima já tinham enchido o tolé. Não sobrou nenhuma pra contar a história. Eita He Man de um cartaz da bexiga! Parecia Didi da Felicidade quando estava em seus dias de glória. Quando o ex-prefeito contava sua história de vida uma multidão chorava emocionada. Com o tempo veio Anchieta e deu um ultimato no drama.

Mas deixa pra lá que o homem está voltando com a febre tife nos couros e disse que aí de quem enfrentá-lo. O Patriota afirmou que faz seu sucessor folgadamente. Mas Lisboa com sua sapiência contesta... Quando o locutor anunciou a entrada de He Man no ringue, foi aplauso feito à peste, os velhos ficaram inquietos e correram pra frente no intuito de ver a fera de perto. Só que a fera que eles queriam ver era o Nêgo Daniel, propagado nos carros de som durante o dia todo. O apresentador conferiu as cordas do ringue, e quando convidou o negão para o centro do ringue, eu que estava distraído só ouvi as vaias. Os assobios tomaram conta do espaço e confesso que fiquei môco, môco, môco.

O Nêgo Daniel havia subido no ringue. O miserável parecia um grilo falante. Coxo de uma perna, cabelo encaracolado, cambito fino, tatuagens pelos ossos e com estampa de sibito o danado ganhou vaia e assobios feitos à peste. O desgraçado entrou com um cigarro no bico, parecia o cão chupando manga. Quando He Man botou os pés nas tábuas, ou melhor, as pranchas, o ringue balançou feito geléia. Os demais desafiantes também subiram e foi dado o início da luta. Na primeira tacada que tomou no pé das orelhas, Nêgo Daniel quase voou por cima do ringue. Procurou terra nos pés e não encontrou. Correu pra um lado, correu pra outro e He Man atrás, o povo ria a bersa, mas o negão coitado tava assustado feito gato com medo de leão dentro de jaula de circo.

Naquele meio, Nêgo Daniel inventou de emburacar nas brechas para correr, mas os próprios comparsas fecharam os cantos da corda impedindo a fuga dele que era o “cabeça” da turma do Alto. Quando descuidaram um pouquinho ele passou numa brecha a mais de mil com as costas vermelha ardendo que só pimenta malagueta na boca de menino novo. A maloqueirada que ficou para enfrentar o He man abriu dos paus e em menos de dois minutos o espetáculo havia terminado. Só sobrou pra polícia porque a mundiça partiu atrás do dono do circo com a gota serena querendo a devolução do dinheiro. Só se ouvias as ameaças:

-Aquele Nêgo safado vai me pagar, se eu pegá-lo a pisa que vou dar nele vai ser maior do que a do He Man. Quero meu dinheiro de volta, vim ao circo para ver briga e não atleta de cem metros. Se aquele infeliz me aparecer vou quebrá-lo todonho. No outro dia Nêgo Daniel estava no circo com uma chupeta do cão na boca e soltando fumaça na cara dos bestas. Ninguém disse nada com o mardito. Anos depois, Daniel se suicidou. Passou a corda no pescoço e quando o acharam já estava morto. No seu enterro tinha apenas três pessoas. O caixão quase não chega ao Cemitério de Carnaíba. Registrou-se na história da terra da poesia como o enterro que compareceu o menor número de pessoas até os dias de hoje.

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