Não faz muito tempo o Latim era disciplina obrigatória no ginásio, com aperfeiçoamento para aqueles que seguiam o curso Clássico. Aprendiam todos a declinar a “rosa” e o “qui, quae, quod”. Os mais espertos acompanhavam César na travessia do Rubicão ou chegavam a declamar as catilinárias de Cícero.
No vestibular de Direito, o latim era eliminatório. E muito se exigia, como ainda se faz preciso, no estudo do Direito Romano.
Hoje é língua morta. Talvez a usem os padres na leitura do breviário ou nas visitas a Roma. Não mais em missas, batizados ou qualquer outro ato litúrgico.
Apesar disso, e mesmo sem que ninguém o estude, o Latim continua vivo e de largo uso na linguagem forense, tanto a falada quando a escrita. Sabem-no de ouvido ou por erudita leitura já os estudantes, capricham nele os aplicados estagiários e fartam-se de usá-lo os causídicos militantes, assim como os jurisconsultos e magistrados, abrilhantando seus arrazoados ou decisórios.
Acontece que, por incúria ou natural desconhecimento, cometem-se certas barbaridades no uso da língua. Algumas vezes passam desapercebidas, ou até se disseminam como expressões de alto louvor. Por exemplo, é bastante usada a expressão “data vênia”, em sinal de respeitosa discordância. Mas há quem não se contente, e prefira o superlativo “datíssima vênia”, em inadmissível aportuguesamento do tempo verbal.
Não poucas vezes ocorre confusão do tradutor. Como no caso do recém - formado que, açodadamente, trocou uma petição de “Habeas Corpus” por “Corpus Christi”. Pior ainda a referência ao célebre conclamo de César – “alea jacta est”, que uma famosa causídica afogadense entendeu como “o alho está no jacá” (“sic”).
Mais curiosa e engraçada a inicial de inventários narrando que o “de cujus” deixou uma decuja e dois decujinhos... Se era latinista, o autor da herança deve ter se revirado no túmulo.
Há quem se ofenda, por estranhar os termos da citação. Assim, no colégio ouve o aluno: “Mater tua mala burra est”. De pronto, rebate: “É a sua!”, quando na verdade apenas se disse: “Tua mãe come maças estragadas”.
Muito feio quando se erra na pronúncia. E o risco é grande em face da invasão do inglês. Em sustentação oral, pedindo o adiamento da audiência por estarem as partes em vias de composição, frisou o peticionário que a prorrogação temporal haveria de ser “saine daie”(“sine die”) .
Fato real, bem pitoresco, deu-se na sala de audiência de uma Vara Criminal curitibana. Era um caso de lesão corporal simples, sem testemunhas de acusação, a vítima desaparecida. Como o réu alegará legítima defesa, certamente seria absolvido. Apesar disso o defensor fez questão de ouvir suas três testemunhas. Aconteceu que a terceira, para surpresa geral, disse que tinha presenciado a briga.
E desatou a falar, contando que o réu havia provocado e perseguido a vítima, sem razão plausível, aplicando-lhe imerecido pontapé no traseiro. Então o promotor, comentando a situação desfavorável ao réu, ocasionada pela sua própria defesa, fez uma observação jocosa: “Pois é, dizem que “quod abundat non nocet”(o que abunda não prejudica), mas desta vez o “abundat” prejudicou!”. O advogado entendeu mal a última expressão e lançou indignado protesto ao meritíssimo juiz, em defesa de seu cliente e da própria moralidade da Justiça!
terça-feira, 12 de maio de 2009
"LATINORIUM"
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