quinta-feira, 28 de maio de 2009

As muriçocas do soldado Biró


Soldado Biró é uma figura bastante conhecida na cidade de Serra Talhada. Ele trabalhou muitos anos na sede14° BPM – Batalhão Coronel PM Manoel de Souza Ferraz, tanto que acabou se reformando na unidade há pouco mais de três anos. É um desses camaradas cheio de macaquice, quem trabalhou com ele é testemunha disso. Cheguei à referida OME em junho de 1997. Meio acanhado e sem conhecer nenhum companheiro no primeiro dia dei logo de cara com o dito cujo, varrendo o Corpo da Guarda, com um cigarrão daqueles do Paraguai no bico. Um pé no coturno, outro numa sandália havaiana, o cabelo grande feito à peste e a sobrancelha assanhada. Vez por outra passava um companheiro e o cumprimentava: - fala Biró! Fiquei pensando comigo mesmo:
- Oxente, que nome mais feio pra um guerreiro? O pé de bomba respondia numa animação tremenda, o sorriso com os dentes cariados da fumaça proveniente da chupeta do cão, ia de uma orelha a outro. Ah, mas cada um é feliz ao seu modo...

Semanas depois passei a conhecer melhor o faxineiro, que de faxina não sabia nada. Apanhava uma bituca de cigarro e em seguida deixava quinze que fumava. Perto das biatas ele ainda dava uma escarrada que a bicha parecia mais lama de porco em chiqueiro de pobre. Descobri que o danado gostava mesmo da gaiatice, apesar dos milhares de cabelos brancos na cabeça e no bigode, faiado feito taba de pirulito. Quando Biró baixava pra pegar algo no chão deixava aparecer uma mardita cueca, sofrida que nem o Rio Pajeú que recebe diariamente uma tonelada de dejetos através de esgotos, sem levar em consideração o lixo jogado as suas margens. Acho que tá mais do que na hora de Valadares criar uma diretoria de Meio Ambiente, afinal a quem vamos reclamar? Mas deixa o Barão em paz, ele é sangue bom e sabe muito bem o que fazer. Ninguém melhor do que ele no Sertão do Pajeú para se blindar e argumentar... Agora faço com Zé Bozó, mostre!

Sempre que chega um Comandante num Batalhão desses no interior, os policiais ficam apreensivos quanto à forma de gerenciamento. Uns cobram demasiadamente e oferecem poucas condições a praçaiada, outros o fazem de forma diferenciada, ou seja, cobra operacionalidade, mas em contra partida oferecem condições, posso citar como exemplo o atual comandante do 14º Batalhão major Aragão. A tropa inteira gosta do seu trabalho. Certa feita havia se apresentado um novo comandante na OME em tela. O oficial acabara de ter deixado a Capital e nada conhecia no interior. Trouxe consigo aquele sotaque bem recifense e conversava no pátio interno do Batalhão com outro oficial. Preocupado com a dormida à noite o comandante perguntou a um Capitão:

- Aqui no sertão tem pernilongo?

O Capitão respondeu discretamente:

- Sim Coronel, sempre aparece.

Nisso, Biró tava apanhando lixo próximo aos dois oficiais e timbungou na conversa:

- Oxe, Coroné, aqui tem muriçoca feito à peste. Tem delas que a gente pega no achaprão, pra dizer (alçapão), outras a minineira mata de balieira pra comer com feijão no armoço. É cada uma que dar um paimo, outro dia uma me chupou quase dois litros de sangue quando eu estava cochilando no quarto de hora aqui no quartel, fui parar no hospital amarelo que nem catarro de tuberculoso.

Indignado porque o soldado interferiu na conversa, o Coronel falou:

- Soldado reconheça seu lugar, ninguém lhe chamou na conversa, recolha-se a sua insignificância!

Descabriado, Biró olhou para o Comandante e finalizou:

- Pois tá certo coroné, depois que as muriçocas carregarem o senhor com cama e tudo e lhe deixar aqui no pátio, o senhor não diga que foi falta de aviso. Outro dia elas carregaram uma geladeira só porque a bicha tinha um pedaço de figo de boi e vossa excelência sabe que figo cheira a sangue. Até hoje ninguém sabem onde tá a geladeirinha consul que gelava água pra nós. Outro dia um sordado disse que viu-la no aeroporto. Será que as bichas tem força coroné?

Sem saber o que dizer o Comandante olhou pra cá, pra lá e acabou dando uma risada. Já imaginou o camarada ouvir umas abobrinhas dessas e ficar sisudo? Nem o homem mais chato do planeta dos macacos escutava uma coisa dessa sem abrir a lata. Depois de 15 anos o pé inchado veio parar no causos e contos do Itamar França. Biró se reformou como 3º sargento e trabalha de mototaxista em Serra Talhada, na chamada viração da aposentadoria. O fato de fato aconteceu. Fui!!!!

sábado, 23 de maio de 2009

O aperreio do vereador Renaldo Lima


Quando vereador em outra legislatura, Renaldo Lima, entrava na Câmara calado e saía mudo. O infeliz pegou logo uma época em que se elegeram vereadores metidos a atuantes. De um lado da bancada, Augusto Martins e do outro Hamilton Marques. Era farpas pra todo lado e o Limão no meio assistindo a um espetáculo, cujas cenas se restringiam aos citados protagonistas.

Um fazia que defendia o povo, ou melhor, o governo, ôpa, o próprio interesse, e o outro fazia que defendia a bancada de oposição. Naquele tempo a Câmara Municipal era casa cheia. O povo fazia questão de comparecer as sessões, afinal tinha Zé Ioni, Renaldo Lima e Ana Maria Santos que não tinha papa na língua e descia a madeira com força em todo mundo.

Mas o tempo passa e as pessoas mudam... Um dia desses perguntei a própria Ana Maria por que mudou da água pro vinho. Ela respondeu que não tem explicação. Aconteceu naturalmente da noite pro dia. Para alguns, a danada perdeu muito em ter se calado. Prova disso é que nunca mais voltou a Casa Monsenhor Arruda Câmara. Mas deixa pra lá, Ana está melhor do que nunca!

Numa sessão daquelas em que o clima estava pra lá de quente, Renaldo Lima estava mais assustado do que um sibito baleado numa gaiola e um peste de um gato querendo rapá-lo no bucho. Os ói do bixiguento estavam em tempo de estourar. A tremedeira tomava conta do pós-comunista, afinal Limão estava no PPS de Augusto Martins. Imagine uma dupla caceteira dessa no Legislativo.

Antes o nosso vice tinha atitude para arrebentar a boca do balão e exerceu muito bem sua função na defesa dos interesses do povo. Foi um dos mais atuantes parlamentares da história política de Afogados da Ingazeira. Não sei por que mudou a postura de uma forma tão radical. Na verdade não sabemos o que aconteceu com Martins. Mas vamos ao que interessa. Que danado eu tenho haver com a vida do nosso amigo?

Durante o pronunciamento de Hamilton Marques a madeira cantou nos lombos da bancada liderada por Martins. Nem bem terminava as palavras do Hamilton e o ex-apresentador do programa “Papo Legal” já tava lá retrucando a altura, pois, conhecemos a inteligência do Fonseca. Renaldo Lima tremia mais do que vara verde e torcia que o Presidente da Casa não lhe concedesse palavra. Mas foi tudo em vão. De repente Erickson Torres, soltou no microfone: - Eu passo a palavra ao vereador Renaldo Lima. Isso sem o mardito pedir.

Num momento inusitado naquele Poder Legislativo, o Limão ficou da cor de um capucho de aigodão como diz o matuto. Olhou para a bancada de situação, olhou para o público presente, bateu no microfone com o bico dos dedos secos que parecem mais um esqueleto e testou: - Alô som, alô som, alô som, alô som, teste, teste, teste, teste, alô som, alô som, alô som e quase que não pára com esta história de alô som. O pior é que deu um branco em Limão e coitado travou como jumento ruim que deita no chão e dar a peste pra sair do canto. Nem um ferrão quente tirava Renaldo do prego naquele momento.

Aí o Presidente da Casa Erickson Torres falou do outro lado: - O nobre vereador quer trocar de microfone?

Assustado qui nem um viado com medo de um leão, Lima respondeu: - Eu agradeço excelência, mas passo o meu tempo de falar para o líder da bancada Augusto Martins.

Assim que concluiu as palavras o Limão tava tão nervoso que deixou o microfone cair. O amassão foi tão grande no dito cujo que este não serviu para nada depois do tal pronunciamento. A cabeça do mangote ficou infincada no chão. Parecia até que o magrelo tava com uma brasa na mão. Todo público presente na Câmara, inclusive os pares do Limão caiu na risada.

domingo, 17 de maio de 2009

Quem é o pai da criança?

Por Gilberto Moura

Dona Isaura foi batizar a filhinha de um ano e frei Alberto começou o interrogatório:
-Nome?
-Ambrosina.
-Nome da mãe?-
A Isaura que vos fala.
-Pai?- ....
-Ou diz o nome do pai, ou não batizo.
-Seu frei, já que o senhor insiste, lá vai: Frei Cirilo.
-Ôxente, e Frei Cirilo tirou a batina?!
-Não. Segurou com os dentes.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

O Processo do diabo

Escrito por Luis Campos

Isso de que o “diabo” teria sido processado em Flores, faz parte inerente, já da tradição histórica da velha cidade. A noticia , sem qualquer prova autentica, veio sendo transmitida de geração em geração, ao longo dos séculos XIX e XX e renomados historiadores tratam dela. Assim como o ímã ao ferro e o aroma à flor, ligou-se o “processo do diabo” à memória de Flores a tal ponto que não se pode falar de uma sem se referir a outro. O assunto, sem ser lenda, não pode, todavia, freqüentar os salões nobres da história.

Permanece nas antecâmaras da mera tradição histórica da terra. Os autos processos não existem em Flores, não se tem provas de que tenha mesmo existido e nem informações seguras onde estejam. Como nódoa de azeite parece tudo haver começado nos meados do século XIX, quando atuavam na política florense o Ten.- Cel. Nogueira da Paz (liberal) e o Major Manuel Pereira (conservador). Uma versão (Dr. Edilton Santana) fala que uma negra forra, ex-escrava de Manuel Pereira, teria sido encontrada morta, pendurada numa árvore, nos arredores da Vila.

A negra dizia-se fora dada ás prática de bruxarias, habilidades que trouxera da África. A autoridade Policial fez instaurar sindicância para esclarecer o fato. E cada pergunta sua, respondiam os informantes, por uma só voz, que a morte da vítima se dera por “artes do demo, artes do tinhoso”. Outra versão (Dona Maria Stella de Siqueira Campos) dá conta de que o corpo de um homem fora encontrado nas proximidades da Villa, também pendurado por uma corda, no galho de uma árvore.

O assassino não deixara pista. Suspeitos não havia. Tomada as providências policias, instaurado o inquérito, foram ouvidos os vizinhos mais próximos. O processo foi remetido ao juiz do crime. Todas as testemunhas, entretanto, respondiam ao magistrado que a vítima não tinha inimigos. A cada pergunta do juiz, uma resposta evasiva. Ninguém sabia de nada. E quando o juiz perguntava de frente, sobre a autoria do crime, cada testemunha respondia: “só se foi o diabo, Doutor!” E o juiz, certamente convencido do mistério que envolvia o crime, decidiu da o processo uma solução esquisita: condenou o “diabo”, nas penas da lei.

E Flores voltou á sua rotina. Acrescenta Dª Maria Stella, que em 30 de dezembro de 1916, quando o governador Manuel Borba visitou Flores, teria solicitado ao Escrivão do Segundo Cartório, Ladislau Nunes de Souza Barros, que lhe mostrasse a curiosa peça jurídica, tendo sido satisfeita a sua curiosidade. Anos mais tarde, soube-se que o processo havia sido remetido para o Rio de Janeiro, mas disso não ficaria recibo. As filhas do escrivão Ladislau, confirmaram a ocorrência, mas, sem algum museu. Outro boato surgiu de que ele estivesse na Bahia. Enfim, o “processo do diabo”, em Flores, como lá dizia o sertanejo, só sendo coisa do “fute”!

terça-feira, 12 de maio de 2009

Zé Fidélis e a fossa de Moacir Queiroz

Cidade pequena é a peste pra viver de gambiarra, feito casa de gente pobre naqueles morros no Rio de Janeiro, construídas de tábuas de embalagens de bacalhau. Os casebres fedem mais do que aquelas fateiras que passam trinta dias sem lavar o cedém.

Mas esquece o Rio de Janeiro que aqui também tem casa de taipa que só a gota serena! O tal do bicudo vadeia nas costas das veias quando vão drumi após umas tragadas gostosas num cachimbo rústico e mal lapidado; geralmente comprado em bancos de feira.

Certa feita Zé Wilson do Gelinho foi contratado para limpar uma fossa de Moacir Queiroz Leite, comerciante bastante conhecido na cidade. Se fosse numa cidade grande, o trabalho seria executado por um motorista, dois técnicos de maquinário, profissionais desentupidores, vestidos de forma padronizada, usando macacões, luvas, botas, e tudo mais...

Como aqui tudo é no jeitinho brasileiro, os caras limpam fossas descalços, nus da barriga pra cima e sem nenhuma proteção, desgotam tanques que retêm bostas, recebem esgotos, dejetos, águas servidas e mijo de toda cor, verde, amarelo, cinza e pingado... Ah, mais para eles é uma baita festa. Cada um é feliz com o que tem. Tem gente que mesmo tendo, vive numa tristeza infernal dando coice em todo mundo. É uma infelicidade!

Quando destampou a lage da dita cuja, Gelinho levou logo um supapo no pau da venta que quase caiu de costas com o fedor de bosta do ricaço da época. Logo merda de rico fede mais do que a de pobre, não sei se é porque eles só comem besteira, ou o intestino não trabalha bem como os dos pobres. Menino novinho de roça come até besouro rola bosta e não tem uma dor de barriga, mas menino de rico se levar um pingo de chuva, minha nossa, fica resfriado. Ô frescura!

Dois companheiros auxiliavam Zé Wilson na triste tarefa, Gil Gomes e Zé Fidélis, do Bairro São Brás, o primeiro já falecido, o segundo irmão do finado Nenê Grude, um grande admirador do ex-deputado Antonio Mariano. Gil Gomes timbugou na merda e ficou dentro da fossa enchendo as latas e entregando a Zé Fidélis na parde de cima. Gelinho apenas coordenava os trabalhos e se resguardou a tomar todas, melou o bico, mas bem devagar. Já os seus ajudantes se excederam na branquinha e ficaram chapados. Na vigésima lata de bosta, Zé Fidélis não fazia mais um quatro e começou ficar pra lá e pra cá na beira da fossa, parecia vara de bambu.

Gil Gomes também baleado pela Pitu já tava com a cara toda coberta de merda. Enquanto descascava uns cocos Zé Wilson se descuidou dos ajudantes e entertido no vai e vem da faca, ouviu aquela coisa borbulhando e correu assustado pra ver. Meu amigo, quando chegou à fossa, notou que Zé Fidélis tinha caído de cabeça e tava com os pés pra cima, plantando bananeira, e Gil Gomes estava boiando de focinho pra baixo.

Gelinho se aperreou pulou na piscina e salvou os dois sujeitos que estava com o rabo cheio de cachaça. Pra terminar a história deitou os camaradas no chão de papo pra cima e quando apertou na barriga de Fidélis subiu uma goipada de merda que foi bater na cara da empregada que estava ao lado rindo dos pé inchados. Depois de algumas horas eles retornaram, mas estavam com merda até nos ói. E o pior é que a bicha secou e deu um trabalho desgramado pra tirar. O cabelo de Zé Fidélis ficou mais duro do que o de Dedeu Bola cheia e do pintor Zé Rolinha. Quando ia saindo da casa Gil Gomes foi cobrar o serviço a Zé Wilson aí Zé Fidélis gritou:

- Eita fedor de merda da porra Gil Gomes fecha essa matraca!

Aí Gelinho retrucou:

- cala a boca Fidélis a tua tá fedendo mais do que a dele.

Fidélis que de besta na tem nada, cobrou de Geladinho:

- Então leve a gente lá em Chico Cotó enfermeiro pra ele fazer uma lavagem no estombo da gente!

Esta história é verídica. Zé Wilson do Geladinho já não está mais entre a gente mais deixa esta lembrança para os leitores do Causos & Contos.

A descoberta do voto de Agnaldo Silva

Escrita por Marenice Oliveira

Como aqui quem manda é o freguês, tome mais um causo escrito e enviado pela minha amiga Marenice Oliveira. Ela é promotora de eventos na região e adora contar causos.

Aguinaldo Silva figura que apresenta todos os sábados o Programa Sábado Livre foi pego de surpresa durante uma entrevista na Rádio Pajeú quando se falava sobre a eleição do Grêmio Estudantil da Escola Padre Carlos Cotat.

Num é que o danado se comprometeu com os dois candidatos que disputavam à direção do Grêmio Estudantil?

Durante a entrevista o radialista Nill Júnior disse no ar:

- afinal você prometeu voto aos dois candidatos Agnaldo?

Ele disse com a maior naturalidade:

- foi Nill, a gente tem que agradar a todos eles, no final nem um nem outro ficou chateado comigo.

Então falei, mas se isso cai na boca de Itamar França vai para o Causos & Contos dele.

Ele ficou tão apreensivo que perguntou:

- será Marenice que isso vai parar no blog do itamar? Será que Nil Júnior quis dizer que sou traíra e ele mesmo ria com essa história toda?

Mas ele garante que não, porque não teve como falar já que o programa estava acabando. Agnaldo disse que tem personalidade e duvida fazer assim na política.

"LATINORIUM"

Não faz muito tempo o Latim era disciplina obrigatória no ginásio, com aperfeiçoamento para aqueles que seguiam o curso Clássico. Aprendiam todos a declinar a “rosa” e o “qui, quae, quod”. Os mais espertos acompanhavam César na travessia do Rubicão ou chegavam a declamar as catilinárias de Cícero.

No vestibular de Direito, o latim era eliminatório. E muito se exigia, como ainda se faz preciso, no estudo do Direito Romano.
Hoje é língua morta. Talvez a usem os padres na leitura do breviário ou nas visitas a Roma. Não mais em missas, batizados ou qualquer outro ato litúrgico.

Apesar disso, e mesmo sem que ninguém o estude, o Latim continua vivo e de largo uso na linguagem forense, tanto a falada quando a escrita. Sabem-no de ouvido ou por erudita leitura já os estudantes, capricham nele os aplicados estagiários e fartam-se de usá-lo os causídicos militantes, assim como os jurisconsultos e magistrados, abrilhantando seus arrazoados ou decisórios.

Acontece que, por incúria ou natural desconhecimento, cometem-se certas barbaridades no uso da língua. Algumas vezes passam desapercebidas, ou até se disseminam como expressões de alto louvor. Por exemplo, é bastante usada a expressão “data vênia”, em sinal de respeitosa discordância. Mas há quem não se contente, e prefira o superlativo “datíssima vênia”, em inadmissível aportuguesamento do tempo verbal.

Não poucas vezes ocorre confusão do tradutor. Como no caso do recém - formado que, açodadamente, trocou uma petição de “Habeas Corpus” por “Corpus Christi”. Pior ainda a referência ao célebre conclamo de César – “alea jacta est”, que uma famosa causídica afogadense entendeu como “o alho está no jacá” (“sic”).
Mais curiosa e engraçada a inicial de inventários narrando que o “de cujus” deixou uma decuja e dois decujinhos... Se era latinista, o autor da herança deve ter se revirado no túmulo.

Há quem se ofenda, por estranhar os termos da citação. Assim, no colégio ouve o aluno: “Mater tua mala burra est”. De pronto, rebate: “É a sua!”, quando na verdade apenas se disse: “Tua mãe come maças estragadas”.

Muito feio quando se erra na pronúncia. E o risco é grande em face da invasão do inglês. Em sustentação oral, pedindo o adiamento da audiência por estarem as partes em vias de composição, frisou o peticionário que a prorrogação temporal haveria de ser “saine daie”(“sine die”) .

Fato real, bem pitoresco, deu-se na sala de audiência de uma Vara Criminal curitibana. Era um caso de lesão corporal simples, sem testemunhas de acusação, a vítima desaparecida. Como o réu alegará legítima defesa, certamente seria absolvido. Apesar disso o defensor fez questão de ouvir suas três testemunhas. Aconteceu que a terceira, para surpresa geral, disse que tinha presenciado a briga.

E desatou a falar, contando que o réu havia provocado e perseguido a vítima, sem razão plausível, aplicando-lhe imerecido pontapé no traseiro. Então o promotor, comentando a situação desfavorável ao réu, ocasionada pela sua própria defesa, fez uma observação jocosa: “Pois é, dizem que “quod abundat non nocet”(o que abunda não prejudica), mas desta vez o “abundat” prejudicou!”. O advogado entendeu mal a última expressão e lançou indignado protesto ao meritíssimo juiz, em defesa de seu cliente e da própria moralidade da Justiça!

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Nêgo Daniel e o Circo do He Man em Carnaíba


O amigo Darésio fez uma observação muito oportuna em relação ao blog Causos & Contos. Segundo ele os textos estão demasiadamente cumpridos, o que na maioria das vezes desestimula a leitura. Como aqui quem manda é o freguês nós vamos a partir deste momento procurar ser mais objetivo.

No final dos anos 90 passou em Carnaíba um circo que tinha como principal atração um homem branco, de cabelos cumpridos, apelidado de He Man. Desde que me entendi de gente, nunca vi uma criatura tão forte. Interessante é que ele fazia a abertura de seus árduos trabalhos com um agradecimento ao Deus de Davi, de Jacó e de José. O público ficava boquiaberto com tamanha fé.

A cada dia o espetáculo do pequeno circo era mais atraente aos olhos dos espectadores, isso porque He Man enfrentava vinte homens sozinho e botava todos pra correr a socos e pernadas. Até velho de 80 anos em cadeira de roda ia assistir o lutador descer a lenha em seus obstinados desafiantes. Foi o maior sucesso a passagem do personagem no Sertão do Pajeú.

Durante manhã e tarde o carro de som anunciava pelas ruas de Carnaíba, mais um espetáculo e claro a grande atração da noite. Ao som do microfone de um Opala azul, diga-se de passagem, velho e caindo os tacos, um magricelo de cabelo encaracolado anunciava:
-Não perca logo mais à noite mais um espetáculo do Circo Transamérica. Hoje a cobra vai fumar com a turma do Nêgo Daniel enfrentando o He Man. A madeira vai deitar com a galera do alto Santa Luzia!

Eu estava de serviço próximo ao Banco do Brasil, mesmo no auge do famoso mosquetão, o chamado pau de ferro dos policiais militares, hoje resta somente à lembrança dos coitados, encontrados apenas em museus. O carro rodou o dia inteiro e não deu sossego a população anunciando o Nêgo Daniel como principal desafiante de He Man. Passei a tarde toda imaginando que o desafiante seria um homem robusto, moreno, malhado e acima de tudo caceteiro nas pegadas.

Ah, mais isso estava na imaginação de muita gente. Quando a rumbeira balançou o esqueleto pra galera dar uma salva de vaias, as arquibancadas já estavam repletas, sem espaço nem para Darésio dar um pêido daqueles... O vendedor de pipocas, algodão doce e daquelas maçãs avermelhadas cobertas de mel por cima já tinham enchido o tolé. Não sobrou nenhuma pra contar a história. Eita He Man de um cartaz da bexiga! Parecia Didi da Felicidade quando estava em seus dias de glória. Quando o ex-prefeito contava sua história de vida uma multidão chorava emocionada. Com o tempo veio Anchieta e deu um ultimato no drama.

Mas deixa pra lá que o homem está voltando com a febre tife nos couros e disse que aí de quem enfrentá-lo. O Patriota afirmou que faz seu sucessor folgadamente. Mas Lisboa com sua sapiência contesta... Quando o locutor anunciou a entrada de He Man no ringue, foi aplauso feito à peste, os velhos ficaram inquietos e correram pra frente no intuito de ver a fera de perto. Só que a fera que eles queriam ver era o Nêgo Daniel, propagado nos carros de som durante o dia todo. O apresentador conferiu as cordas do ringue, e quando convidou o negão para o centro do ringue, eu que estava distraído só ouvi as vaias. Os assobios tomaram conta do espaço e confesso que fiquei môco, môco, môco.

O Nêgo Daniel havia subido no ringue. O miserável parecia um grilo falante. Coxo de uma perna, cabelo encaracolado, cambito fino, tatuagens pelos ossos e com estampa de sibito o danado ganhou vaia e assobios feitos à peste. O desgraçado entrou com um cigarro no bico, parecia o cão chupando manga. Quando He Man botou os pés nas tábuas, ou melhor, as pranchas, o ringue balançou feito geléia. Os demais desafiantes também subiram e foi dado o início da luta. Na primeira tacada que tomou no pé das orelhas, Nêgo Daniel quase voou por cima do ringue. Procurou terra nos pés e não encontrou. Correu pra um lado, correu pra outro e He Man atrás, o povo ria a bersa, mas o negão coitado tava assustado feito gato com medo de leão dentro de jaula de circo.

Naquele meio, Nêgo Daniel inventou de emburacar nas brechas para correr, mas os próprios comparsas fecharam os cantos da corda impedindo a fuga dele que era o “cabeça” da turma do Alto. Quando descuidaram um pouquinho ele passou numa brecha a mais de mil com as costas vermelha ardendo que só pimenta malagueta na boca de menino novo. A maloqueirada que ficou para enfrentar o He man abriu dos paus e em menos de dois minutos o espetáculo havia terminado. Só sobrou pra polícia porque a mundiça partiu atrás do dono do circo com a gota serena querendo a devolução do dinheiro. Só se ouvias as ameaças:

-Aquele Nêgo safado vai me pagar, se eu pegá-lo a pisa que vou dar nele vai ser maior do que a do He Man. Quero meu dinheiro de volta, vim ao circo para ver briga e não atleta de cem metros. Se aquele infeliz me aparecer vou quebrá-lo todonho. No outro dia Nêgo Daniel estava no circo com uma chupeta do cão na boca e soltando fumaça na cara dos bestas. Ninguém disse nada com o mardito. Anos depois, Daniel se suicidou. Passou a corda no pescoço e quando o acharam já estava morto. No seu enterro tinha apenas três pessoas. O caixão quase não chega ao Cemitério de Carnaíba. Registrou-se na história da terra da poesia como o enterro que compareceu o menor número de pessoas até os dias de hoje.

HISTÓRIAS DE UMA ÍNDIA PANKARARU

Por Gilberto Moura

Dos muitos irmãos que tenho, apenas eu, o mais velho e mais andejo teve oportunidade de conviver mais de perto, ainda que por breve tempo,com nossa avó paterna. Antonia Maria da Conceição era índia pankararu da região de Petrolandia, Tacaratu, Jatobá, Caraibeiras, onde hoje se localiza a reserva daquela nação.

Era índia mas não era indolente, tinha uma inquietude que a mantinha sempre ativa, seja na atividade de rendeira de bilros, seja na roça ou na pesca. Naquela época o São Francisco não tinha esse horror de barragens a tolher o caminho dos peixes e das enchentes.

Quando criança, e eu já fui criança, uma ou duas vezes visitei minha avó india em Petrolândia e também a aldeia, onde "Mãe Tonha", como os netos a chamavam, plantava amendoim para fazer paçocas e pés-de-moleque que vendiam nos bodegas da região. Uma dessas visitas coincidiu com a época de plantação do amendoin e quando Mãe Tonha foi plantar seu roçado me levou junto.

Na passagem pelo terreiro da aldeia, nos acompanhou uns quatro ou cinco curumins. Chegando na roça, Mãe Tonha organizou a tarefa: Ela iria na frente abrindo as covas e eu mais os outros meninos, os curumins, iriamos atrás deitando as sementes, fechando as covas e assobiando.
Sim, assobiando!

Segundo minha avó, o amendoin que é plantado ao som de assobios de crianças dá boa safra em qualidade e quantidade já o que é plantado em silêncio não prospera, não desenvolve.
E assim foi, a índia na frente com o enxadeco abrindo as covas e a molecada atrás, caraíba e curumins, assobiando, jogando semente e fechando as covas. De vez em quando Mãe Tonha ralhava:

Vamos assobiar gente!

Não pode parar de jeito nenhum!

Todo mundo assobiando!

Quando terminamos estava todo mundo sem fôlego de tanto assobio. Passaram-se os anos e sempre que eu via amendoim sempre me lembrava da forma correta, segundo minha avó índia, de plantar tal lavoura. Somente no final de sua vida, já beirando os 90 anos é que a india velha me contou o verdadeiro segredo do amendoim. A conversa deu-se em Petrolina onde ela passava uns tempos com minha tia Maria Limeira. Perguntou Mãe Tonha:
- Tu lembra da roça de amendoim em Tacaratu
Respondi:
- Claro que lembro, ajudei a plantar uma vez, assobiando até ficar sem bico!
E emendei:
- Assobiar plantando amendoim garante boa safra mesmo? Tem fundamento isso?
Ela respondeu já sem conter o ar de gozação:
- Se tem "afundamento" não "seio" mas que os "menino" não "come" as "semente", não "come"!

Fiquei sem ação, a história do assobio era para que ninguém comesse as sementes de amendoim, aqueles grãos enormes, que mesmo crus são deliciosos. Deve haver alguma relação com o tal ditado que fala de assobiar e chupar cana.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

O dia que chegou telefonia móvel em Carnaíba

Depois do causo de Carlos Ribeiro que movimentou a cidade de Carnaíba em meado dos anos 90, agora a terra da música volta a esta telinha. A cidade cresceu bastante, transmitindo alegria e receptividade aos visitantes. Estou há mais de 15 anos fazendo parte do efetivo daquele Destacamento de Polícia e por isso faço parte do dia-a-dia daquele município. Lá tem figuras folclóricas, Mita do Rádio, Taioba, César Campos, Imperador, Lurita Professora, etc.

A terra do Dantas viveu um dia movimentado da molesta dos cachorros na última sexta-feira, dia 1º de maio. Foi um corre-corre infeliz, ou melhor, feliz. Arriégua parecia que o mundo ia acabar naquela data. Chega me dar arrepio só em pensar no final dos tempos, imagine um pecador como eu, cheio de causos e contos, um falador da vida alheia, diante do Senhor. Mas ele sabe do nosso coração e acredito piamente na salvação, porque a bíblia diz claramente que basta se arrepender e invocar o nome do Todo Poderoso. Oh Senhor Jesus! O que é que há hem? Que mente mais poluída!

Retornei de férias no dia do trabalho. Fui escalado na Cadeia Pública e depois de trinta dias num mundo de extrema alegria, veio o inevitável tédio... Do estabelecimento prisional, ouviam-se fogos e mais fogos, gritos e mais gritos, e um tráfego de veículos nunca visto antes. Fiquei por algumas horas na parte externa esperando alguma pessoa passar no local para perguntar o que estava ocorrendo. A curiosidade era tamanha que liguei para o Destacamento a fim de saber o que danado tava acontecendo nas ruas, devido à barulheira. Eita coisa ruim é o cabra ser curioso e gostar de saber das coisas, sem ter alguém para informar. Mas são ossos do ofício!

Durante a manhã e à tarde não tive um pingo de sossego. Cabra besta não, respeite os homi! Se não quiser ler desligue o computador. Ah, eu não tenho nada haver com seu baixo astral, você que plantou, colha. Ainda pula um grilo falante desse para atrapalhar. Quem te chamou aqui mardito? Não liga, é um enxerido que está de fora do negócio dando pitaco, parece mais aqueles pirus de mesa de jogo que fica com a boca torta mostrando o jogo para o amigo, “é essa outra carta rapaz”, ô ventríloquo desgraçado, mais isso é o que mais tem nos pés de quem está no poder. Prefeito é a peste pra ter esses tristes no pé. A boca chega vive cheia de prega, pé de galinha, feito a gota serena de tanto o infeliz torcer para fuxicar. Ah, infeliz da costa oca!

A viatura tomou um chá de sumiço realizando rondas na cidade, diga-se de passagem que a locada não tem rádio de comunicação, ou seja, os gatos de botas têm que adivinhar o local da ocorrência, ou antonsse passar em frente ao Destacamento de cinco em cinco minutos, o Dudu tá queimado que só a peste na corporação. Ele deu notebook para os professores e a gente nadicas de nada. Bem que eu preciso de um bicho desses mais cadê o dinheiro... Quem sabe alguém um dia me presentei. Fica na tua rapaz, alguém sim, ou você acha que eu não tenho amizades! Mas vamos ao que interessa que Dudu tem que se preocupar em tirar Jarbas do caminho porque se não o tiro vai sair pela culatra. Por falar nisso o senador disse no programa Frente a Frente do Magno que gosta de mulher e de fazer um bom cuzido. Mas deixa a vida do cabeça branca pra lá.

Na madrugada quem disse que dormi? Fiquei somente escutando a doidera na cidade, era som de apito de menino, fogos de toda espécie, buzinas rua acima, rua abaixo, e da Cadeia escutei a macacada gritando, chegou, chegou, e foi doutor Anchieta que trouxe! Pensei comigo mesmo, acho que é o presidente Lula ou o Papa que está lá em baixo, esses danados nem me avisaram. As calçadas estavam tomadas de gente, teve delas que colocou até o som pra tocar, parecendo o dia 31 quando vai se romper o ano. A essas alturas um soldado, desses sem malícia (bizonho) já havia passado a notícia pra toda sorte de gente que ele conhecia. Na escuridão da Cadeia, no cantar dos grilos e no ronco estrondoso do soldado Almeida, eu aguardava ansioso o barulho do motor de um carro, no objetivo de atravessar no meio e perguntar o que febre tife tava acontecendo na cidade.

Como demorou muito, acordei o praça e fiz finca pra rua numa carreira desgramada em minha jumentinha cor vermelha, ano 98. É da tua conta se a bichinha é surrada? Mas serve, pelo menos não pego carona nos carros de lotação e outros particulares. Meu amigo, minha amiga, como dizem os pastores da Igreja Universal, quando cheguei ao centro da cidade, pensei que era “noite de ano”, com tanta gente. A viatura ia numa carreira do cão com destino a uma ocorrência, quando Zezinha Brás deu um grito da gota serena acenando com a mão. O sordado que estava no volante deu um freio que o rastro dos quatro pneus furaram o calçamento. Aí o cabo Bié assustado perguntou:

- O que foi que aconteceu? Estamos pronto para, em condições de!

Aí foi quando Zezinha falou em tom de alegria e descontração:

- O sinal da Tim já está funcionando menino!!! Já pensasse numa coisa desta, parece fim de mundo mesmo!

Minutos após encontrei a viatura e perguntei aos colegas, rapaz desci numa carreira medonha para saber o que está acontecendo em carnaíba em virtude da movimentação. Aí o Nego Bié falou de dentro do carro:

- Relaxa, num é nada não foi só a inauguração da instalação da antena de telefonia móvel, é porque aqui ainda não chegou coca-cola, e o povo ainda tem aquela cultura de esperar o telefone tocar três vezes para atender, se não num presta!

Nisso voltei a Cadeia Pública de carnaíba para ocupar minha função, vigiar os detentos até as 08h da manhã. Se toda cidade que instalasse esse sistema de telefonia fizesse uma festa do tamanho da que fora feita em Carnaíba, Já sei que ia ser o estopim calango mermo!

 
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