sábado, 5 de dezembro de 2009

Rolinha branca

Andar faceiro de rolinha branca, que sai catando pedrinhas no chão. Estes versos iniciam uma bela composição do saudoso Zé Marcolino. Tive oportunidade de vê-lo cantar algumas vezes esta canção, não sei se chegou a ser gravada, enaltece essa ave do sertão nordestino que a passos ligeiros circulam pelos terreiros das casas à procura de alimentos e pedrinhas que alojadas no seu papo ajudam no processo digestivo.

Quando menino, reconheço que não pensava desta forma e através de uma maldade inocente não via a singela beleza dessa ave, pelo contrário, munido de uma baleeira ficava escondido por trás das árvores esperando o momento de atacar lançando uma pedra certeira.

Às vezes encontrávamos os ninhos, construídos com pedacinhos de madeira ou capim, camas macias e perfeitas presas aos galhos das árvores. Por pura crueldade retirávamos os filhotes e prendíamos em gaiolas, fabricávamos uma espécie de mingau com farinha e água que servia de alimento até a idade que passavam a se alimentar sozinhos. Presos continuavam por toda vida, cantavam uma canção triste e repetida, expressando talvez o desejo proibido de voar.

O tempo passou e as rolinhas brancas mesmo com a proibição do IBAMA estão em processo de extinção. O sertão está diferente e a infância não é mais inocente. Restam-nos as lembranças de uma época que não pode ser esquecida.

Por Severino Nunes de Melo

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Caboclo Ferreira e o tamanduá

Quando os galos começaram cantar, Caboclo Ferreira já seguia o caminho do sítio Betânia para mais um dia de serviços limpando mato na fazenda de Jacinto Dantas. A noite estava fria e escura, mal dava para ele enxergar o vulto da sua Baleia, cachorrinha de estimação e companheira de todas as horas.

Em determinada momento sentiu a falta do animal, olhou em volta, escutou e nem o sinal de Baleia. Ficou intrigado, para onde ela teria ido, era noite e os preás ainda estavam dormindo nas locas das pedras, portanto não era hora de caçar.

Envolto nestes pensamentos, ouviu o latido da cachorrinha e pela maneira como ela latia, com certeza, tratava-se de uma caça grande, poderia ser inclusive onça pintada. Correu o mais rápido que pode e chegando ao pé da serra, na entrada de uma gruta, constatou que era um tamanduá e não estava para brincadeiras, pois encostado a uma pedra esperava de braços abertos o momento certo de atacar.

Com a chegada de Caboclo, Baleia tornou-se afoita e avançou sobre o tamanduá. Travou-se uma briga desigual a caça tinha o dobro do tamanho da cadelinha e umas unhas que além de grandes eram afiadas. Vendo aquela situação Caboclo pulou em cima do bicho, estava desarmado, nem uma faca ele tinha na cintura, mas para defender sua amiga ele enfrentava qualquer parada.

O tamanduá soltou a cachorrinha e atacou Caboclo, enfiando uma das unhas na palma de sua mão. O sangue começou a escorrer, várias tentativas de se soltar foram feitas sem sucesso, procurou uma pedra ou um pedaço de pau e não encontrou. A situação era complicada e como não restava mais alternativa, segurou com a outra mão e focinho do animal e começou a roer. Meia hora depois, quando começava a mastigar os miolos o agressor entregou os pontos, soltando a mão de Caboclo.

O dia estava clareando quando Caboclo todo ensangüentado chegou à fazenda, sendo interrogado pelo fazendeiro contou toda a aventura. Curioso, Jacinto Dantas perguntou: E se ele não tivesse soltado tua mão? Caboclo respondeu: soltava, pois eu ia mastigar até o rabo.

MILONGA

Milonga é doidinho e vive catando coisinhas no chão, na cidade de São José do Egito e ninguém (nem ele mesmo) lhe sabe o nome, ou de onde veio.

Mulato e baixinho, tem o tipo físico dos habitantes da zona canavieira de Pernambuco, lugar de onde acham que ele veio.

Solícito, não é homem para negar um mandado a ninguém, por isso, um lhe dá a roupa outro a comida e assim vai tocando a sua vida, debaixo da benevolência e da imensa piedade de Deus.

Otacílio era um rapaz ainda muito novo, quando morreu de um “sucesso”.

Uma “Lazarina” de cano fino, uma medida de chumbo seis, outra de pólvora “Elefante”, duas buchas de corda bem vaquetadas, uma espoleta “Pica-pau”, e um garrancho que bateu na queixa da espingarda, que era “muito doce” (espingarda doce é aquela que dispara com muita facilidade e que a gente conduz com muito cuidado, nos braços, assim como quem carrega roupa engomada), promoveram o tiro que lhe varou a titela.

O que foi uma pena pois era um rapaz muito moço ainda.

Como ninguém tinha coragem de dar a notícia ao seu avô, já velhinho e morando a uma certa distância, Milonga se encarregou de ser o emissário de tão triste novidade .para o coitado que era louco pelo neto a quem chamava de Tercílio por que não conseguia pronunciar-lhe o nome corretamente.

Lá vai Milonga cumprir a sua missão macabra... Encontra o velhinho, sentado numa espreguiçadeira, na sala da casinha onde morava, conversando com as suas “apragatas”, assuntando coisas da vida, sem importância.

Milonga, sem “arrodeios”, botou a cabeça na janela e foi logo anunciando a tragédia:

– Seu Chiquinho, sabe Tercílio, seu neto ?

– Sim, o que foi que houve?

– Morreu! – Morreu dum tiro de espingarda, lá nele, bem na caixa dos peitos!
O pobre não se conteve:

– Ah meu Deus, meu neto morreu e eu não quero mais viver, eu quero ir junto com ele!, Eu quero ir pro céu com ele!

Milonga, que a tudo assistia impassível, foi providencial:

– Apois ”côide” logo, seu Chiquinho, que já tão fechando o caixão!

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

ZÉ QUEBRA PANELA

Era um matutinho nascido ali perto de Tabira. Comprido, zarolho e desdentado, feio de quebrar resguardo de raposa, mas portador de uma sagacidade e de uma capacidade de enganar o seu semelhante sem limites, andava bem vestido e calçava sapatos de duas cores, um evidente indicativo de malandragem na época para uns, para outros, e um traço de boemia que distinguia os seres iluminados e raros que ousam ser diferentes. Zé era o nosso João Grilo.

Vendia e comprava tudo, mas gostava mesmo era de negociar com fumo de rolo nas feiras. A banca de fumo, numa feira, era, talvez, a mais simples, uma vez que não tinha sequer uma lona cobrindo; era aquela mesinha feita com velhas tábuas de caixão, acinzentadas pelo sol e pela chuva, com os pregos torcidos e mal pregados, um tronco de pinhão ou um pedaço de corda queimando com o fogo eterno de uma pira sagrada onde os matutos iam acender os cigarros e economizar os fósforos, que, como todo produto industrializado, eram caros; o matricó era pouco usado, pois dava trabalho para acender , o isqueiro nem pensar, viria muitos anos depois.

Mas Zé achava que Deus vivia lhe chamando pra outra missão mais nobre do que envenenar os pulmões daqueles desgraçados que lhe compravam fumo, e se meteu a fazer imagem de santo, ser o novo Aleijadinho daqueles Pajeús, numa inspiração que ele considerava ter vindo direta do céu.

Passou o nosso Roque Santeiro, a viver dentro das caatingas, juntando troncos secos de imburana, com os quais fazia as imagens, que, por faltar-lhe um mínimo de jeito para a coisa, estas saíam todas tronchas e com as feições “labrogeiras”, como dizem os matutos.

Aproveitando o “embalo”, quando a ocasião favorecia, vendia também lascas de tábuas de velhos caixotes de sabão, que jurava serem milagrosas, por terem sido tiradas do caixão do santo “Padim Ciço”. Repetia o gesto dos soldados romanos rateando o manto sagrado, quando negociava mulambos de tecido preto afirmando serem garras miraculosas da batina do “Meu Padrinho”.

Um dia, estava ele na feira, comercializando esses produtos completamente heterogêneos: a banca de fumo e a de santo ali junto, quando chegou uma devota, velhinha com cara de rezadeira e de quem entendia do traçado:

– Meu senhor, eu conheço um magote de santo, já “froquentei” muita novena, igreja, o diabo a quatro – Já paguei muita promessa, mas estou aqui “mei atrapaida”, isto aqui é São José ou Santo Antônio?

Zé, com ar professoral, explicou:

– Olhe, minha senhora, o santo se tiver com o menino no braço direito, é São José, se tiver no braço esquerdo, é Santo Antônio, agora se o bicho tiver um par de chifres, um rabo e um espeto comprido na mão, não chegue nem perto que isso aí é o satanás!

Outra vez, em uma de suas transações, um cabra mais sabido “empurrou-lhe”, literalmente, dois rolos de um fumo muito ruim que ele não conseguia vender de jeito nenhum; o matuto chegava, cheirava, “arripunava”, ia embora e nada de comprar.

Não se deu por vencido, botou tudo num saco e danou-se para a feira de Sertânia, que ficava para outras bandas e onde ninguém lhe conhecia as manhas. Já no adiantado da hora, a feira

terminando e nada de comprador, Zé se aperreou e apelou para um recurso no qual ele era mestre: o seu marketing pessoal.

– Óia, pessoá, quem comprar desse meu fumo agora, vai tudim pro juazeiro comigo, eu levo tudim pra o Juazeiro do meu Padim Ciço!

Não demorou muito, e lá se foram os dois rolos de fumo. Também, quem era besta perder uma promoção daquelas!?

Um pedaço aqui, outro ali, e vendeu toda aquela mercadoria de péssima qualidade.

A coisa ia bem, até que chegou uma velhinha apressada:

– Ô, meu senhor, adonde tá o caminhão mode noís ir botando os troços em riba?

Zé pegou na bucha:

– Que caminhão que nada, dona Maria aonde foi que a senhora já viu pagar “premessa” de caminhão?

– O meu “Padim” não gosta de caminhão chegando lá não! Nóis vamo tudo é à pé.

Promessa é promessa!

Por Zelito Nunes

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

FRANÇA MENEZES, UM FILÓSOFO DO BOI VELHO

França foi como quase todos dali, também agricultor, depois dono de bodega e finalmente vereador na cidade de Ouro Velho. É sobrinho de Cabôclo Ferreira, primo de Joaquim Menezes e de Cabôco Ferreira .

França, tinha aquela têmpera de sertanejo feito pra durar eternamente mas teve que viajar há uns seis meses atrás, isso com mais de noventa e seis anos. Semi-analfabeto, nunca deixou sem resposta qualquer que fosse a pergunta a ele dirigida .

As suas respostas carregadas de refinado humor, ainda divertam aos que o procuravam. Proprietário de uma padaria, foi o continuador da fabricação das famosas “BOLACHAS MENÊS” que foram inventadas por uma sua tia , juntamente com uma vizinha, chamada Madalena Nunes, tia de meu pai.

As famosas “BOLACHAS MENÊS” como são chamadas vêm de uma tradição que já dura quase um século. São um produto genuinamente Ourovelhense e a sua fórmula é tão secreta quanto a da coca cola são fofas e adocicadas contendo um forte sabor de canela e cravo, ir a Ouro Velho e não provar as tradicionais bolachas Menês, é um sacrilégio tão grande quanto ir à Roma e não ver o Papa.

As bolachas “Menês”, são componentes obrigatórios da bagagem de qualquer ourovelhense com destino a outroslrincões do país, principalmente São Paulo e Brasília, destino fatal da maioria dos que emigram dali.

Antes mesmo do abraço e da saudação quando chega numa dessas cidades, o ourovelhense saúda o conterrâneo com um pacote de bolachas nos peitos.

Na década de cinquenta, França era proprietário de uma pequena bodega em Boi Velho, e naquela época, por não existir ainda a luz elétrica no lugar, o consumo de querosene era alto, e todo estabelecimento, tinha uma lata grande de dezoito litros, em cima de um tamborete, com uma torneirinha por onde escorria o líquido que enchia as garrafas dos fregueses.

Um dia, chegou uma pessoa procurando querosene, e França, mandou Sebastião seu filho, ainda menino, encher a garrafa do freguês.

Era dia sete de setembro e, justamente na hora em que Sebastião abriu a torneira da lata e botou a garrafa embaixo, o desfile ia passando na porta da bodega e ele correu pra ver a parada que só ocorria, uma vez por ano.

Bastião ficou lá vendo a festa e nem se lembrou do querosene, que a essa altura já tomava conta de todo o estabelecimento.

França gritou por Sebastião que finalmente lembrou-se da garrafa que havia deixado na boca da torneira.

Correu de volta, e ao entrar na bodega, já foi debaixo de pau!

— Oi pai, porque está dando em mim? Perguntou se fazendo de inocente.

E França:

— Pra você saber que dentro de uma garrafa não cabe uma lata de querosene!

Por Zelito Nunes

domingo, 15 de novembro de 2009

Nóis tamo é lascado!

Dois matutos de Monteiro no Cariri paraibano, cansados da seca e das promessas dos políticos, decidiram tentar a vida em uma cidade grande. Venderam o burro, o jumento e o cavalo e na esperança de um dia voltar, rumaram para o Rio de Janeiro.

Chegando lá, por sorte, arranjaram empregos de serventes em uma pequena construção, o salário era pequeno mal dava para sobreviver e raramente sobravam alguns trocados para enviarem para aos familiares na Paraíba.

Durante o período do carnaval dois árabes, fazendo turismo no Rio, passaram em frente à obra e viram os paraibanos de enxadas nas mãos, mexendo areia e cimento. O sol estava escaldante e os nordestinos suavam até pela ponta do nariz. Os turistas se aproximaram e admirados de tanta bravura, perguntaram quais os salários dos dois. Eles informaram que ganhavam o salário mínimo e que era muito pouco.

Os turistas, perguntaram se eles não aceitavam ir morar na Arábia Saudita e trabalhar lá recebendo salários mais justos. Os paraibanos esclareceram que não seria possível viajar para um lugar tão longe, pois faltava o dinheiro das passagens. Os árabes afirmaram que isto não seria um problema já que os mesmos estavam de avião particular e daria para levar os dois.

Depois do carnaval e após uma prece ao Padim Pade Ciço, os nossos irmãos embarcaram para mais uma aventura. Quando o avião estava sobrevoando o deserto do Saara, apresentou uma pane, sendo necessário um pouso não programado.

Um dos paraibanos desceu do avião, olhou em frente só viu areia, do lado direito areia, do lado esquerdo e na parte de trás também só se via areia e ai ele com ar de preocupação virou-se para o companheiro e falou: SEVERINO, NÓIS TAMO É LASCADO QUANDO CHEGAR O CIMENTO!

Por Severino Nunes de Melo

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O SOLDADO ZÉ DE ESTER

Por Zelito Nunes

Nasceu no Boi Velho, que na época pertencia à Monteiro e era família dos Bernardos e de Cabôco Ferreira todos gente afamada naquelas quebradas dos Velhos Cariris.

Só tinha um problema , Zé que era pequeno e magro que só um sibito, queria a todo custo entrar pra gloriosa Polícia Militar da Paraíba, onde pretendia alcançar quem sabe , o posto de marechal , uma patente muito em voga no exército brasileiro , isso lá no limiar dos anos sessenta aonde era tido como certo que o mundo ia se acabar e os Estados Unidos , alimentavam uma guerra idiota com os comunistas da Rússia , fato que nem de longe interessava a Zé.

Apesar da compleição física contrária a qualquer regimento militar – um metro e cinqüenta e poucos centímetros, e uns cinqüenta e poucos quilos, Zé , por indicação de um padrinho forte, foi incorporado à briosa Polícia Militar da Paraíba.
De farda cáqui , quépi e coturno , ele era o próprio Zé Carrapeta , personagem do poema O ABILOLADO, do poeta Chico Pedrosa.

Depois que passou "a pronto" foi lotado no quartel de Campina Grande , onde enfrentou a antipatia do comandante que não lhe dava descanso.

Cumprido o prazo de recolhimento e treinamento no quartel de Campina , eis que chega a hora do bravo contingente partir para cumprir o seu dever ou seja: Todo mundo ir para o interior , estabelecer a ordem nas regiões mais críticas onde ainda imperava o "faroeste" , quando se falava que o rifle 44 , era a justiça do Piancó.

Conceição na Paraíba, por exemplo, não era naquela época o melhor lugar do mundo pra se ser soldado de polícia.

Zé morria de medo de ser enviado pra lá o que era quase certo por parte do seu comandante truculento .

Todo mundo perfilado , o comandante gritando , soldado fulano, vai pra tal lugar , soldado cicrano tal lugar e quase chegando a vez de Zé que teve uma idéia terminal, começou a falar bem alto, como se estivesse conversando com os colegas:

"Não me mandando pra Prata nem pra Ouro velho , onde eu tenho inimigos , pra mim qualquer lugar, tá bom".

Não deu outra, o chefão gritou de lá:

Soldado José Paes de Lira, vai destacar na Prata.

E Zé queria outra coisa?

Nunca foi promovido, nunca prendeu ninguém (pelo menos sozinho), e também até morrer, nunca mais saiu do eixo Prata/Boi Velho, onde fez muitos amigos e compadres e tomou suas cachaças até viajar desta para a melhor, em baixa definitiva.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

BOCA DE NOITE NO SÍTIO

Durante a minha infância, vivida e bem vivida, no Sítio Boa Vista dos Nunes, município de Ouro Velho (PB), era comum, ao entardecer, no momento em que luz do sol derrubava as últimas fagulhas no infinito e a claridade da lua e das estrelas iluminavam a velha calçada da nossa casa, reunir-se um grupo de pessoas para contar os causos sertanejos e relatar as novidades do sítio.

Eu deitava no colo da minha Maria que sentada ao lado do meu pai Davi Nunes, Davi Ribinga como era conhecido ou simplesmente tio Davi para os mais íntimos e ali ficava em silêncio ouvindo as conversas que giravam sempre em torno de secas; de pescarias: de caçadas; de cangaceiros como: Lampião e Antonio Silvino; da brutalidade inocente de Caboclo Ferreira; das proezas do vaqueiro Vicente Matias e tantos outros.

Era bom ficar em silêncio ouvindo aquelas belas e singelas historias. É certo que às vezes a conversa passava para as coisas do outro mundo. Almas penosas que vagavam por aqueles sertões assombrando medrosos como eu, ou distribuindo botijas para aqueles que tinham nas veias a coragem do sertanejo.

Quando as conversas giravam em torno de assombrações, era um martírio para mim, pois mesmo com sono e às vezes quase mijando nas calças, não tinha coragem de entrar em casa sozinho, tendo que aguardar o meu pai começar a bocejar, sinal que alertava a todos para a hora de se recolher, ouvia-se um: BOA NOITE, INTÉ AMANHÃ! E todos rumavam para suas casas, cansados do dia árduo de trabalho, mas com a esperança de dias melhores.

Por Severino Nunes de Melo

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

SEU JOÃO PEQUENO E OS CABRAS DE ANTONIO SILVINO

Antonio Batista de Morais , Antonio Silvino, foi no década de vinte, o cangaceiro mais temido dos Estados da Paraíba e Pernambuco.

A sua saga, começou como em toda história de cangaceiro, com uma vingança, quando ele matou o primeiro desafeto pra vingar a morte do próprio pai.

Depois matou outros desafetos, gostou e saiu matando os seus e os desafetos dos outros.

Só parou quando foi ferido e preso em Taquaritinga, em Pernambuco.

Seu João Pequeno, era um velhinho miudinho magrinho que tinha uma terrinha no município de Caraúbas, no Cariri paraibano, por onde passava de vez em quando , Antonio Silvino e seu bando desordeiro.

Usava um pequeno chapéu de couro,um bigode branco e cheio, só vestia mescla e sua vida era de casa pra o roçado , e o curral dos bichos.

A rua somente nos dias de feira.

Era o homem mais calmo do mundo.

Só tinha um porém: Seu João , era brabo que só cobra de resguardo.

Um dia, o cão bateu na sua porta , um cabra do bando de Antônio Silvino, foi lá lhe pedir dinheiro e levou uma descompostura.

Saiu prometendo vingança.

Esse mesmo cabra, logo depois, juntou-se com mais outros quatro e numa boquinha de noite, cercaram a casa onde moravam seu João e a mulher.

Com a casa totalmente cercada, o cabra ofendido gritou pra seu João :

Meu véi, a casa tá cercada e num adianta fazer besteira não , nós tamo tudo armado.

O velho ainda perguntou :

E quem vem lá?

O cabra respondeu :

Nós samo fulano, cicrano e beltrano , do bando de Antõe Sirvino.

O velho disse :

Ah, é?

Eles responderam :

É .

E o que é que vocês querem ?

Queremo uma conversinha com o senhor , pra vosmicê aprender a atender pedido de home.

Isso foi seu João:

Ô mulé, tira o saguim de dentro do cano do "cravinote" que eu vou dar uma vadiada com esses meninos lá fora.

Os cabras "queimaram" o chão ...

Por Zelito Nunes

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Marcílio Patriota e a alma penada

Marcílio era viciado em jogo de baralho e quando tinha algum dinheiro fazia o uso das cartas. Certa vez jogou durante todo um final de semana na cidade de São José do Egito(PE).

Na madrugada de domingo para segunda depois de perder todo dinheiro, resolveu apostar a própria roupa. Não era o dia da sorte e em poucos minutos perdeu as calças a camisa e os sapatos.

Liso, com fome e só de cuecas rumou para Ouro Velho (PB) a pé, naquela madrugada fria e escura. Já próximo de Mundo Novo, avistou através da claridade da lua nova uma casa velha e abandonada.

Entrou na casa espantando os morcegos com o chapéu de palha e deitou-se em um dos quartos, porém não conseguiu dormir, estava muito frio e de vez em quando ele ouvia uns gemidos vindos da cozinha.

Sentou-se no chão e começou a pensar, bem que poderia ser uma alma penada e lhe oferecer uma bela botija. Sonhava acordado, se fosse verdade o que iria fazer com o dinheiro da alma. Bem, para começar compraria a Fazenda de Zé Nunes; o caminhão de Severino Ford; roupas novas e jurava nunca mais pegaria em uma carta de baralho. Também não poderia esquecer-se de ir a Monteiro e pagar uma missa a Padre João Honório em sufrágio da alma penada.

De repente uma luz forte invadiu o quarto ofuscando seus olhos e encostada na parede uma mulher vestida de branco falou com uma voz rouca e trêmula: moço eu queria que o senhor pagasse dez mil reis que fiquei devendo na bodega, só assim eu saio do purgatório.

Marcílio se levantou indignado, aprumou o velho chapéu de palha na cabeça, dirigiu-se a porta, pois não dava mais para dormir ali, olhou indignado para a alma e respondeu: Vá para o inferno alminha sem vergonha, logo eu que não tenho um centavo!

AMIZADES SEM PRIVACIDADE

Atividades comuns, seja em qualquer fase da vida, sempre fomentam amizades irrestritas.

Formei amizades inesquecíveis em banhos de rio, treinos de volei, pesquisas escolares, pescarias, treinos e competições de ciclismo.

São amizades sedimentadas em sentimentos desinteressados, amizades puras e simples, desconheço quem não as tenha.

Para Gilvan, Adelino e Zé Mago, o que mais os unia era a paixão pela caça, notadamente de aves de arribação em épocas próprias.

Como Zé Mago era solteiro e morava sozinho, nada mais natural que em sua casa fosse o depósito das espingardas e o canil dos valorosos cães de caça.

Contudo, não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe, e por força dessa máxima, Zé Mago um dia entrou para o rol dos homens casados.
É certo, e quem se casa descobre muito cedo, o casamento restringe a liberdade.

Se o solteiro que mora só peida e arrota despreocupado sem ninguém que perturbe sua doméstica solidão, o casado, e ainda mais o recém-casado, precisa tomar certos cuidados.

Zé Mago estava recém-casado, ou como se diz em Portugal "casado-de-fresco" e isso o afastou um pouco do contato diário com os companheiros, agora havia interesses mais interessantes que se arranhar e passar fome e sede nos meios dos matos para abater rolinhas um pouco mais graúdas e depois discutir na partilha do produto da caçada.

A coisa estava nesse pé quando chega aos ouvidos de Adelino e Gilvam a noticia de interminável bando de arribaçãs em Quitimbu - "não precisa nem atirar, é de pegar na tarrafa!" - foi assim que a noticia chegou no Bar de Tripa, onde ambos destilavam a ausência do companheiro.

Acontece que caçador é caçador, e uma notícia daquelas requer atitudes!
Assim, de imediato foram para a casa de Zé Mago em busca das espingardas e dos cachorros.

Lá chegando chamaram por Zé Mago e foram entrando, pois, a porta da frente estava apenas encostada, quando de repente ouvem o grito de Zé Mago lá dos fundos da alcova: NÃO ENTRA NÃO! NÃO ENTRA NÃO!

Pararam na sala da frente e viram surgir Zé Mago descabelado, se abotoando afobadamente.

-Tá doido Zé Mago? Indagou Adelino

- Doido nada, eu aqui nas minhas "privatizações" e vocês vão entrando de casa a dentro?

Por Gilberto Moura

sábado, 24 de outubro de 2009

A dor de barriga repentina do prefeito

Casa de prefeito em cidade pequena é a gota serena pra ser procurada. Tem delas que o infeliz do gestor nem acorda e o povo já está na cozinha tomando cafezinho ou na porta do quarto com um cigarro no bico. Às vezes os tristes até se sufocam com a fumaça que entra pelas brechas da porta.

Geralmente aparecem aquelas pobres mulheres, raquíticas, de dentes furados, cabelos maltratados, unhas sujas, há vários dias sem banho com um menino no braço dando de mamar. Do interior do quarto mesmo de porta fechada escutam: - Vai peste mama logo, porque daqui a pouco o prefeito acorda e eu não vou falar com ele dando de mamar não! O pobre do inocente espia pra dita cuja cum uns butico de oi da bixiga lixa.

Aí a outra colega que está aguardando também o poderoso chefão, reclama: - mulher num diz isso cum o inocente, o bichim tá cum fome. Ela dar uma tragada bem forte no cigarro e responde: - basta, mais fome tô eu aqui que num tomei hoje nem um gole de café. Mas também ninguém oferece uma gota de água não as miseráveis... Mas também oh, língua essa minha!

Nisso, o menino começa a chorar porque ela guardou a peitica. Irritada a mãe chama a atenção do bruguelo, por sinal feio que só a palavra teje preso: - Ô boba serena ruim, cala boca se não eu quebro teus dentes, febrento! No quarto, aborrecida a primeira dama reclama ao marido: - eu não acredito que essa gentalha já está aí tirando a privacidade da gente. Manda essas desgraças pra prefeitura, é lá que você deve atender. Já estou cheia desse entra e sai nesta casa.

Mas o que peste tem eu a ver com essas pobres mães de família? Pois bem, havia numa cidade que eu não vou citar nome, mas o leitor deve interpretar e associar a quem bem entender um prefeito arrogante da febe do rato. Poupeiro que só jumento ruim, metido a importante e capcioso pra caramba... Ainda pro riba grosso que só papel de enrolar prego.

Certa feita, duas mulheres resolveram ir à casa do dito cujo pedir uma ajuda para comprar uns brebotos. Não deu outra. Meteram os pés na estrada e foram na esperança de serem atendidas e colocarem alguma coisa no fogo, pois, já era quase meio dia. De longe avistaram o prefeito sentado numa cadeira na maior tranqüilidade. Quando se aproximaram, notaram o brutongo saindo às carreiras para o interior da casa. Imediatamente o homi tomou Doril. Ora, sumiu...

Aí uma delas sem saber do que se tratava indignada virada num maribondo doido pra dar uma ferruada no rabo de um cristão falou: - oi a peste muié, bem que disseram que esse mardito num gosta de pobre. Pia, o infiteto assim que viu a gente correu, parecia um relâmpago, desapareceu num minuto. A outra respondeu: - eu te disse que muita gente falava que esse desgramado é ruim que só a gangrena. Sorte nossa porque ele correu, pior é se ficasse aí você ia ver o cão chupando manga. O bicho ia dar tanta poupa que você ia descer aqui virada na molesta. Aí veio a decisão. - Sendo assim muiézinha vamos embora, melhor do que levar esporro. As duas desceram a rampa fumaçando e bufando de raiva.

Mas o cabra quando pega uma má impressão é a brucuta mesmo! Deixa que o infeliz do prefeito por coincidência naquele momento sentiu uma dor forte na barriga e teve que correr as pressas para o cagador, de luxo claro. Mas também tem uma coisa, a merda dele fede igual à de um pobre, ou quem sabe até pior. Dizem as más línguas que é bem pior, já que essas pestes só comem enlatados, com preguiça de cozinhar e mais ainda de gastar gás de cozinha.

Quando saiu do banheiro, depois da caganeira repentina, o homem 100% ingnorantiun, perguntou a uma das pessoas que estava na proximidade: - cadê aquelas duas mulheres que vinham quando eu corri para o banheiro? Alguém respondeu: - saíram prefeito, inclusive lamentando a sua ausência repentina. Logo, esse pobre alguém ouviu as dóceis palavras do bichão: - mas agora sim, eu vou deixar de fazer minhas necessidades biológicas pra tá atendendo o povo, quem quiser que me procure na prefeitura.

Moral da história: “Quando o camarada ganha uma fama, por mais que esteja certo, há de alguém divergir ou duvidar”.

Qualquer semelhança com algum prefeito da região será mera coincidência!

Pelo amor de Deus, não e venham com futriquinhas! O causo foi criação de minha cabeça e o prefeito (autor sem nome) mora onde o Judas perdeu as botas.

Oh, coisa sem graça. Eu te perguntei alma cebosa? Fica na tua rapaz, quem te chamou aqui. Eita mundo pra ter gente ruim!

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Os aparelhos de rádio que Zé Brandão deu

A história política de Afogados da Ingazeira registrou momentos tristes, mas também alguns engraçados. Participaram ativamente de alguns pleitos como candidato (a) a vereador (a), figuras como Baixinho Lanterneiro, Profeta, Aprígio da Granja, Luiz de Hermes, Manoel Brás, o Boi de Jade, Celso Macário, Lalú Vieira, Agenor Galdino, Bartó de Lia, Severino Carneiro, Siqueira Pescador, Antonio Careca, Zé Moxotó, Pé de Banda, Maria Luiza, Zezinho da Carapuça, Dionísio Almeida, Enock Oliveira, Augusto Manoel, Gonzaga Cabeção, João do Kurtiço, Marconi Edson, Zé Gojoba, Hélio Tadeu, Nabor, Tião da Carapuça, Múcio Fidélis, Arnaldo da Sapataria, e até o seu escudeiro político, Zé Brandão.

O nome dele é José Francisco Brandão Filho, já foi do PFLê, do PTB e hoje está no QNSB (Quero Nem Saber). Zé Brandão assim como muitos afogadenses já sonhou ocupar uma cadeira na Câmara Municipal, mas ficou somente no sonho. O danado até leva jeito pra coisa, mas sem dinheiro se torna difícil pra qualquer um, que o diga Zé Negão, Renaldo Lima e Vicentinho... Maria Luiza inventou de pedir voto pensando que o povo ia votar pela lindreza dela, rasgou a boca. A infame tirou apenas nove votos e olha que a desgraçada quase seca as canelas de casa a casa. Pois bem, Zé Brandão inventou de entrar no jogo sem saber da safadeza do povo, principalmente os da periferia.

Tem deles que passa quatro anos pagando as contas de luz, água, aluguel, tudo certinho, mas quando chega o período eleitoral frumina como diz o matuto as casas dos candidatos a vereador. Os boba serena não procuram os candidatos a prefeito, somente os vereadores de paimo em paimo. Eitas febe tife ruim. E o pior é que já viciaram com esta história de trocar o voto por alguma coisa.

Pensando em ocupar uma cadeira na Câmara, Zé Brandão entrou empolgado que só a gota serena. Procurou fazer algumas visitas antes do pleito e decidiu entrar na disputa. Já pensava em comprar um carrinho, um pedacinho de terra no sítio e concretizar outros projetos. Andava todo cheiroso no toque dos perfumes da Avon e quando o suvaco suava o azedo do charisma cobria. Ah, mas ele queria ser o político galã. Sempre de pente no bolso, quando Zé chegava a casa de um eleitor o puxava do bolso e tacava na careca. Era caspa pra todo lado. Em seguida ele batia o pente na ponta da cadeira pra farinha cair.

Sem contar que o bixiguento andava com cotonetes e palitos de dentes na carteira de bolso. Quando um eleitor o convidava pra tomar uma xícara de café ou almoçar, depois de saciar o buxo Zé Brandão, abria a carteira tirava um palito e lascava o condenado nos caninos, era taco de madeira pra todo lado. Inda tinha o chupadinho, xixi, xixi... Dava pra ver o céu da boca do infeliz. Logo em seguida o tradicional cotonete entrava nos ouvidos pra tirar umas bolas amareladas de cera. Os matutos ficavam espiando aquilo como uma coisa do outro mundo, adispois que ele saia, todos ficavam comentando:

- viu que homem educado, anda com os palitos de dente na carteira e limpa os ouvidos com umas varetas de plástico com algodão no bico, isso é que uma coisa de admirar. A gente tem que aprender a educação da rua, é difícil vê alguém assim. Ô minino pega esse palito mordido junto com essa vareta que Zé deixou no chão e joga lá fora! Acho que ele esqueceu. A menininha raquítica coitada pegou a vassoura e assim o fez, com muita satisfação. Ah, antigamente uma pessoa da rua era muito respeitada na zona rural, hoje já não tem mais isso...

Querendo ser caridoso “acreditando que o povo é gente”, Zé Brandão bolou uma estratégia de campanha e foi até Caruaru comprou 550 rádios de pilha, 280 cortes de pano, 450 camisas, 220 conga, 440 cadernos e saiu distribuindo com os conhecidos na cidade e zona rural. Sem levar em consideração as chapas de dente, os frascos de remédio, os exames de vista, as bolas e ternos de futebol que haviam solicitado ao candidato. Felizmente o danado não investiu com as demandas últimas.

Nas ruas ele abordava as pessoas com muita atenção:
- E aí já tem candidato? Quando a resposta era não, ele fazia aquele arrodeio e dava uma tapinha de leve: - rapaz eu sou candidato a vereador e gostaria que você votasse em mim. Não tenho nada pra dar agora, mas depois que for eleito...

Quase todos diziam que sim: - Claro Zé se é de votar nesses cabras ricos vou escolher você, agora eu tô precisando de um milheiro de tijolo, tem como o amigo me ajudar?
Zé olhava todo sem jeito e dizia: - O tijolo não, mas tenho um bocado de rádio de pilha, vou lhe dar um pra você ouvir o resultado da eleição e o meu nome figurar entre os mais votados. Nessa brincadeirinha pegaram tudo do Brandão e quando abriram as urnas, foi uma decepção total. Ele não teve nem a metade do número de rádios doados transformado em votos.

Quando já ia chegando em casa, um gaiato com um rádio doado pelo dito cujo gritou: - eita Zé tu ficasse em primeiro na lista dos candidatos de traz pra frente. Aí ele deu uma poupa da besta cigana: - Vá se lascar rapaz além de lhe dar o rádio você escuta minha derrota com gozação!

Depois disso ele nunca mais quis ser candidato a nada.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A BOLA DE COURO DE TOTONHO


Reiteradas vezes me referi ao neto de Seu Zeca Pereira, nosso atual prefeito como “coronel”, e tantas vezes o fiz que, ao que parece, tornou-se uso geral no município e região. É voz corrente, como diz o ditado, que “quem sai aos seus não degenera”, mas como em tudo há exceções, o nosso coronel é a antítese do seu falecido avô, pessoa de quem privei da amizade quando eu era criança e junto com toda a molecada, filhos de ferroviários, nascida e criada na Rua da Estação, caçávamos passarinhos, preás, brincávamos de índio e furtávamos frutas em suas terras.

Seu Zeca era um enigma. Ao mesmo tempo em que vigiava seu pomar, rico em mangueiras, gravioleiras, pinheiras, cajueiros e goiabeiras, quando nos encontrava na plataforma da estação, aonde ia diariamente ver a passagem dos trens de passageiros, nos perguntava pelo estado de maturidade da fruta da época.

Dizia Seu Zeca: - Limeirinha, as mangas já estão boas prá mandar pros meninos no “Ricifi”?

Limeirinha respondia: - Tão não Seu Zeca, ainda não tão nem inchadas, vai mais uns 15 dias.

Retrucava Seu Zeca, sério: - Olhe lá rapaz! Quando estiverem boas avise que é prá mandar despachar um caixote de mangas pros meninos em “Ricifi”.

- Pode deixar Seu Zeca, pode deixar...
Assim é que Limeirinha, Eraldo, Paulo e Aluisio Gomes, Nelson, Lídio e João Lucena, Genecy, Genival e Gildo Feitosa, Luciano e Cacá Cabral e vários outros, colhíamos frutas para os tais caixotes “pros meninos em Ricifi” nas mesmas fruteiras onde fazíamos como diz o gaúcho, “a serventia no alheio”.

Nas férias escolares, principalmente nos finais de ano, os tais “meninos do Ricifi” apareciam em Afogados. Era uma turma curiosa, boas roupas, bons brinquedos, bicicletas novas, cabelos bem cortados, sapatos brilhando, mas nunca os vi na casa de quem lhes mandava os caixotes de frutas, acho que tinham medo de carrapicho nas roupas bonitas. Eles tinham de tudo, inclusive um time de futebol com uniformes e bola de couro, o BAC (Balalaica Atlético Clube). Na minha ignorância de infante matuto, achava engraçado o termo e só muito depois fui descobrir que balalaica é instrumento musical de cordas, semelhante ao banjo, e usado por um dos personagens do clássico de cinema Dr. Jivago. Além de ricos, os “meninos do Ricifi” eram intelectualizados, digo, atualizados com as artes e a literatura.

Mas, voltando à bola de couro do Balalaica e aos treinos promovidos por eles, num antigo campo que havia perto da delegacia, ali, por trás do antigo Ginásio Industrial. Nesses treinos, apesar dos meninos do “Ricifi” sempre trazerem amigos da capital, sempre faltavam jogadores para completar os times e foi nessas ocasiões que se revelou e creio se consolidou, o caráter autoritário de nosso Coronel, o danado, como o “dono da bola”, aquela maravilha em couro que todos queriam chutar, além de escalar os jogadores do seu time, queria, batia o pé, fazia questão de escalar os jogadores do time adversário, e se assim não fosse, ele colocava a bola debaixo do braço e ia embora, não tinha treino.

Como não há bem que sempre dure nem mal que nunca de acabe, um belo dia, a gangue da Rua da Estação planejou e colocou em prática a “expropriação” daquele objeto tão cobiçado. Digo expropriação, pois estávamos em pleno período revolucionário, acompanhávamos pelo rádio as aventuras de Che Guevara, Carlos Lamarca, admirávamos Marighela e o Comandante Mao com seu Livro Vermelho, afinal, éramos do proletariado, filhos da classe operária, de ferroviários nordestinos, cujo sindicato, presidido por Claudio Braga promoveu inúmeras paralisações dos trens, tanto na capital quando no interior. Quem tem mais de cinqüenta janeiros como eu tenho, sabe que em todo aquele plano inclinado desde defronte da casa de Zezé Rodrigues até a frente do antigo hospital não havia nada construído, era um matagal só, onde o mata-pasto media mais de 2 metros de altura.

Então, num desses treinos, a bola do Coronel foi chutada para dentro do mata-pasto e desapareceu “misteriosamente”, por mais que se procurasse. Somente ressurgiu depois que os meninos voltaram para o “Ricifi”, daí por diante, serviu de instrumento para as mais calorosas e animadas peladas na esplanada da estação e
no campo do Ferroviário, aquele dentro do viradouro, no caminho da Pitombeira.

Hoje, o Coronel é prefeito, mas continua “o dono-da-bola”.

Por Gilberto Carvalho de Moura

domingo, 5 de julho de 2009

A vaca que tirou o sossego do prefeito João Alves Filho


Afogados da Ingazeira já teve um magote de prefeitos bons. Mas também teve deles ruim que só a palavra teje preso. Já ia esquecendo de registrar a passagem de uma prefeita, única na história até os dias de hoje. Entre os muitos que passaram lembro-me de Antonio Mariano de Brito que pegou um tempo ruim da febre do rato, como diz o ingnorantiu. Ah, mas o “Cavaleiro da Paz”, apelido colocado pelo radialista Carlos Ribeiro ajudou muita gente. Foi o político da pobreza. O Pneu de estepe achou de assumir a prefeitura mesmo nos quatro anos de seca. Se Graciliano Ramos tivesse passado por aqui ele ia ver a miséria do nosso povo...

O que era de caixão de defunto, de remédio, latra de leite, pacote de café e de bolacha, ele dava. Fora os coros de rato que andava nos bolsos. Vez por outra distribuía pros pé inchado encher o tolé de cachaça. Tinha uma infame de uma bolacha chamada Peteca, ô bicha ruim cachorra da molesta. Era a mais barata nos mercados. Minha mãe só comprava dela. Eu reclamava que só a bixiga. Não devia nem fazer tanta lamentação, quem mandou nascer pobre. Fica na tua rapaz! “É melhor ser pobre e ter a consciência tranqüila do que ter tudo com o remorso da desonestidade”. Tem um padre que toda hora diz isso na Rádio Pajeú. De tanto ouvir gravei no meu pobre subconsciente e não esqueço nem que a vaca tussa.

Depois que deixou a prefeitura, o “Cavaleiro da Paz” que chorava melhor dos que aqueles atores de novela em cima dos palanques, apresentou João Alves Filho como seu sucessor. O danado até que era gente boa. Honesto, trabalhador, transparente, mas era mais grosso do que papel de enrolar prego. Isso já tá manjado! Eu tô te perguntando cabra besta, mais manjado do que o jeito de Antonio Mariano fazer política e o povo ainda cai na dele! Tem uns intrusos que não nos deixa terminar a história, vai te lascar! Pois bem, seu Joãozinho ganhou a eleição e muita gente pensava que ele ia ser igual, ou melhor, do que o Mariano. Quebraram a cara. Seu Joãozinho era do estilo Barão Valadares, dizia as coisas na cara, com ele não tinha meio termo. Era uma ingnorâncias daquelas sem malícia nem maldade, uma coisa bem natural de um homem sério da roça.Trouxe muitos benefícios pra cidade. Ajudou a uma infinidade de pessoas dentro daquilo que ele via necessidade. Naquele tempo não existia essa política mesquinha.

As famílias se davam ao respeito. Hoje os pais não têm mais domínio sobre os filhos, ou seja, aquele espírito antigo de liderança. Isso tomou doril. Hoje qualquer candidato majoritário vai pedir voto numa casa aí quando vê o adesivo pregado na porta fica logo assustado, mas o cabra grita lá da cozinha: - quem vota no candidato do cartaz é meu pai, eu voto em quem me ajudar! O político que não é besta pergunta: - qual é o problema meu amigo se aprochegue? Na maior cara de pau o mardito fala bem mansinho: - Tô precisando de uma Carta de Habilitação, você é quem sabe, tem eu e minha noiva, eu garanto ainda lhe arrumar uns dez votos.

Olha que a gente fica com a brucuta quando escuta um sinistro desse. Triste dos políticos do Brasil se não fossem estes imbecis. Geni do Bar inventou de ser candidato a vereador e não deu um alfinete, mas também o triste não teve o primeiro voto, até o dele ele errou na hora de votar. Depois da eleição o petebista andava com um caderno entrevistando o povo: - você votou em mim? Claro, todo mundo ia dizer que sim. O povo é falso que só pêido de frango que sai do furico sem dar sinal algum. Geni já tava com uma lista de 1.146 pessoas que disseram ter votado nele. Coitado, depois dessa resolveu nunca mais entrar em política.

Mas voltando ao assunto, um carro havia atropelado uma vaca no Sítio Curral Velho, na zona rural do município de Afogados da Ingazeira, o dono do animal querendo tirar o prejuízo foi até a casa de seu Joãozinho pedir que ele autorizasse abatê-lo no Matadouro Público, ou seja, tirar o couro e aproveitar a carne vendendo aos amigos e até nas tarimbas do Açougue. O prefeito disse em alto e bom tom que não admitia e foi logo dispensando o proprietário que estava junto com dois amigos. Eles até que insistiram, mas seu Joãozinho não deu ouvido. Minutos depois chegaram mais dois amigos do proprietário da vaca e pediram novamente a seu Joãzinho para abater o animal e a resposta já foi com uma polpa daquelas: - Eu já disse que não, cadê o dono da vaca que eu quero dizer umas verdades a ele. Ora, será que a gente não tem direito de ficar em paz nem em casa, façam o favor de não mais vir aqui tratar desse assunto. Estou de saco cheio!

Por arte do cão, um parente de Antonio Gomes, comprador de gado, adoeceu e precisava urgentemente de uma ambulância. Como era eleitor do vereador João Amaral, Antonio Gomes o procurou para ir até a casa do ilustre prefeito. Não deu outra, eles foram bater lá. Animado João Amaral disse a Antonio Gomes: - pode deixar Antonio, vou resolver isso numa boa com Joãzinho, não é possível que um vereador não seja bem recebido na casa dele, inda mais eu que votei e trabalhei pra ele. Você vai ver a receptividade, nunca fui à casa de prefeito nenhum, esta é a primeira vez e espero que fique na história. Partiram os dois na maior tranqüilidade. Quando chegaram à casa do prefeito o encontraram assistindo ao Jornal Nacional. O vereador João Amaral bateu palma e gritou: - ô de casa! Seu Joãozinho resmungou do sofá: - não dou nem às horas.

Ele pensava que eram outras pessoas que estavam a sua procura para pedir pelo proprietário da vaca atropelada. João Amaral bateu palmas novamente e disse baixinho: - não é possível rapaz, Joãozinho está me desconsiderando. Vou chamar só mais uma vez, se ele não vier nós vamos embora: - ô de casa! Nisso seu Joãozinho pula do sofá com uma cara feia da gota serena, pior do que um maribondo quando vai dar uma ferruada na cara de um cristão. Aperreado e fechando o zíper da calça respondeu num tom daqueles, parecido com o Barão Valadares quando está com os cachorros da molesta nos couros: - Eu já disse que não viesse na minha porta, não mato, não mato e não mato! Aí João Amaral falou: que história de matar João, eu vim aqui resolver uma coisa e você vem com quatro pedras na mão. Bora Antonio deixa ele aí, pensei que ia ser bem recebido na sua casa, como a gente se engana.

Joãozinho todo desconcertado falou: - espere aí João Amaral, eu pensei que você vinha pedir pra abater a vaca daquele cabra importuno do Curral Velho. Aí o vereador disse: - que diabo de vaca rapaz, eu tenho nada a ver com isso, eu vim aqui falar um carro pra Antonio Gomes levar um parente pra Recife. Pra demover a fúria do Amaral, Joãozinho falou com muita educação: - sendo assim entre e vamos ver sua situação. Eu tô cum a cabeça Frumigando de raiva, se eu pudesse não ouvia falar em vaca hoje. Quem quiser seu meu amigo não fale desse bicho aqui dentro de casa. João Amaral respondeu: - Tu já vem com tuas ingnorâncias? Se ficar assim eu vou embora. Joãozinho fumaçando pelos ouvidos disse: - o que boba serena houve cum tu João, ô cabra bruto, inda dizem que o ingnorante sou eu, oxe!

domingo, 21 de junho de 2009

A esperteza do garoto Heleno Mariano


O saudoso Waldecy Xavier de Meneses apresentou durante vários meses um programa de auditório no antigo Cine Pajeú. Era o “Domingo Alegre”, transmitido pela Rádio Pajeú de Educação Popular. O programa era voltado para a diversão infantil, com várias brincadeiras, apresentações culturais, danças e competições. Naquela época a cidade não tinha a dimensão populacional de hoje e os moradores se conheciam um a um pelo seu devido nome. Ah, mais como as coisas mudam... Hoje nem os próprios vizinhos se conhecem. Também com tanta gente migrando da zona rural pra cidade, fica difícil. Isso tudo por culpa dos nossos governantes que a cada eleição prometem mundos e fundos e quando assumem é um Deus nos acuda com tanta mediocridade e falta de compromisso.

Tem gente que conhece a fundo tal realidade, mas não tá nem aí pra coisa. Sua barriguinha cheia e o salário certo no final do mês é que importa. O pequeno que se vire nos trinta, se quiser comer um feijãozinho com arroz purinho da silva. O que tem de famílias que abandonaram a roça e vieram morar na cidade não está no Gibi. Mas vamos ao que interessa, isso é uma coisa que o Gerente Geral do Prorural José Patriota deve analisar com carinho e buscar uma solução, afinal ele tá com a bola cheia com o governador. Mas com essa ausência desgramada de Afogados da Ingazeira, fica complicado o Patriota diagnosticar o problema. O danado quando chega a Afogados não tem tempo pra nada. Quando alguém o procura, a primeira coisa que faz é olhar pro relógio e explicar que tem um compromisso de urgência, urgentíssima. É um subterfúgio fraco da molesta dos cachorros, talvez ele pense que o povo é besta.

O que bixiga lixa tenho eu a ver com o Coimbra? Homi, ele não está nem aí pra esses comentários que circulam na boca dos fofoqueiros em toda a cidade! Acho que ele deve pensar que é inveja. Mas foi assim que fez Antonio Mariano: deixou seu povo aqui jogado ao tempo e olha aí o resultado. O ex-trovão do pajeú, caiu numa decadência política horrível, impossível de se levantar. Hoje não é nem um chovisco. Virou mesmo eleitor de Giza e Totonho. Um dia desses ele andou falando em uma mesa de bar que era o pneu de estepe dos dois grupos políticos de Afogados da Ingazeira. Primeiro disse que tirou a ex-prefeita Giza do atoleiro, depois com muita dificuldade o Barão Valadares. Quero ver quem será a próxima vítima do Mariano. Ele continua naquela de pensar que seus fiéis eleitores decidem qualquer eleição em Afogados da Ingazeira. Deixa-o pensar assim. O desengano da vista é furar os ói como diz um amigo meu.

Mas vamos ao que interessa porque o ex-deputado já conseguiu o que verdadeiramente queria: derrotar a ex-aliada Giza Simões e preencher seu ego que tava vazio que só lata de leite ninho em casa de gente pobre. O pequeno trabalhador compra o leite em pacote, aquele do mais barato encontrado em qualquer budega. Tem um tal de leite Vaquejada, ô infeliz rui das costa ôca. O cabra bota um pingo de água e quando dissolve o pó do mardito, fica mais fraco do que coice de bacurim. Mas quem não tem cão caça com gato. Deus é tão justo que prmite que a garotada pobre ande de pés no chão, pisando em bosta e germe de toda espécie sem sofrer uma simples gripe. Mas eu já fugi do assunto novamente? Ô cabra vei besta, esquece isso e vai cobrar da Assistência Social, porque muita gente está reclamando o não fornecimento das cestas básicas há alguns meses, enquanto vai ser gasto seiscentos mil reais nesta festa do centenário. Quem é louco ir cobrar isso do barão? O danado agora deu pra ir pra emissora de rádio trocar farpa com o povo. Tá pior do que aqueles lutadores do ringue, desafiando debatedores e dando ibope ao Nill Patinhas e Aldo Vental.

Voltando ao assunto, Waldecy Meneses chamava sempre dois meninos ao palco e dava um prêmio ao que ganhasse à disputa. Ele convidava dois, porém subiam no palco mais de vinte molecotes. Ocorre que um certo dia o saudoso professor gritou de lá: - preciso de dois garotos agora no palco para fazermos uma brincadeira! Correu menino feito a peste pra riba do palco. Foram escolhidos dois meninos, Heleno Mariano e um tal de Vanda.

Waldecy inesperadamente falou no microfone: - Vamos para o desafio. Vamos ver que traz... Deu uma pausa e concluiu: - uma manga madura. Aí Heleno Mariano e Vanda desceram numa carreira desembestada de rua abaixo a procura de um pé de manga. Heleno Mariano esperto como sempre, chamou o Vanda e falou:

- rapaz vamos lá pro Bairro São Francisco lá tem mangueira pra gente pegar manga a vontade. Vanda caiu na conversa do mariano e fez finca pra Rua Nova, enquanto Heleno só fez pular uma muradazinha próximo ao Cine Pajeú, onde hoje é a residência do ex-bancário José balbino. Deu tempo o espertalhão tirar uma manga, chupar outras e esperar o concorrente se aproximar.

Quando Vanda chegou ao lado da igreja, suado a mais de cem quilômetros por hora, Heleno correu emburacou no cinema e entregou a manga a Waldecy. Vanda ficou bravo com Heleno e só não o chamou de santo. Tanta baboseira pra contar uma coisa idiota dessa? Vai te lascar rapaz, faz um blog desse e conta melhor! Ora. Eu fico com a peste com esses cabras críticos. Já basta Jurandir Pires e Celso Brandão pra comer o juízo do povo. Fui!!!!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O carneiro que Zé Negão ganhou


Político é a peste pra gostar de torneio de futebol, principalmente quando é realizado na zona rural. Aquecido por um carro de som, tocando aquelas músicas fuleiras, estes eventos esportivos atraem gente de todo jeito. Geralmente tem a frente um animador que fica o tempo todo anunciando os patrocinadores e suas presenças na beira do campo. No campo eles colocam um tonel desses de 60 litros e enche de água para os atletas encherem o bucho quando termina o primeiro tempo. O caneco, meu amigo é uma lata de óleo de soja, batida as beiradas pra não cortar os beiços dos jogadores. O triste tibunga na água e nele passam várias matracas. Ah, mas a água é gostosa, a gente sente até o gostinho da ferrugem. Tem tonel que eles danam cimento no fundo pra não vazar o líquido precioso. Serve até de cativeiro pra tatu e peba.

Uma banca de madeira coberta com um pedaço de plástico, cheio de mosca por riba, uma garrafa de pinga, dois pacotes de cigarros que são vendidos em retalho, uma bacia com bolo de caco, umas cocadas de coco dura feito a gota serena, meia dúzia de garras feitas de Farinha de Trigo Boa Soret, e uma caixa de tubibas, enche os olhos da menineira como diz o folclórico Marconi Edosn. As gatinhas ficam nas beiradas, como quem não quer nada, querendo. Ouvindo música, mascando um chiclete e balançando discretamente o esqueleto, elas fazem a festa, logo o domingo é dia da negada do sítio aproveitar. Tem delas que lasca tanta maquiagem na cara que ficam parecendo aquela personagem do SBT chamada Filó.

Os jogadores, coitados, debaixo do sol ardente correm mais do que notícia ruim atrás da redondinha feito boi bravo depois de uma quatro futucadas de ferrão no espinhaço. O fedor de suvaco só eu sei descrever, outro dia um infeliz passou o suvaco no meu braço durante uma partida de futebol que lavei com quatro água e a fedentina só veio sair horas depois. Os barzinhos da redondeza, ficam lotados de bêbados conversando arisia nos pés de balcão e cuspindo no chão. No outro dia a coitada da muher do dono do bar é quem aguenta as prastadas de catarro no cimento. Mais nada melhor do que um saco de estôpa pra sugar a gorda expelida pelos bebuns, depois de algumas tragadas num cigarro pacaia. Sem alambrado, a situação é mesmo do jeito que a matutada gosta. Um grita daqui, outro dali, uns matuto ignorante que só papel de enrolar prego. Olha as lapa de faca na cintura! Tem delas que parecem a espada do He Man. Por falar em He Man dizem que o mataram em Cabrobó. Deus o ponha em um bom lugar.

Que coisa mais feia, a gente ir pra festas e ficar falando depois? Pois é, tem muitos que vão comer, comer, e adispois lasca a língua nos pobres dos noivos. Eu tenho um primo que é um boba serena pra falar. Uma febe tife dessa não é bom ninguém convidar nem para velório. Vai que o mardito fale que faltou bolacha e café. Homi, vamos ao que interessa. Darésio já reclamou o tamanho dos textos, mas Gilberto Moura questionou e eu não sei o que faço. Agradar a dois senhores não posso, então vou por aqui escrevendo minhas besteiras a minha maneira. Voltando ao torneio do Sítio Vaca Morta, realizado a cerca de quinze dias, o vereador Zé Negão deu um bolo nos espertalhões.

Ah, esqueci de lembrar que já é tradição nesses torneios rifar-se um objeto ou um animal e o lucro ficar para o time da casa. Inventaram de fazer um bingo de um carneiro e venderam centenas de cartelas. Numa bendita mesa, estava Renaldo Lima, Zé Negão, Marconi Edson, Viva dono do Corinthians da Vaca Morta, pessoas da comunidade e de outras localidades. Um rapaz passou vendendo as cartelas, e cada uma dessas pessoas compraram no sentido de ajudar. Ocorre que na hora “H” o vereador Zé Negão foi o sortudo da tarde. Só se ouvia o carro anunciar na voz devastadora de Marconi Edson: - Comunicamos que o ganhador do carneiro foi o vereador Zé Negão que ta ali na mesa tomando uma ceivejinha! Renaldo Lima, esperto que só cachorro de fateira, mandou um camarada pedir ao Zé para doar o animal a comunidade. Não deu outra meu amigo, o cabra foi bater lá na mesa do negão.

Enquanto isso, já haviam articulado Marconi Edson para pedir no microfone o carneiro a Zé Negão. Com o microfone em alto som e uma música chula cachorra da molesta por baixo, Marconi falava: - Zé Negão ganhou o carneiro mas pedimos encarecidamente que ele deixe o bicho pros mininos aqui do sítio, é Zé tu já tem demais.

O desgramado do Marconi botou fogo de todo jeito. Renaldo Lima só espiava do outro lado esperando passar uma rasteira logo no Zé, um mala que joga melhor do que todos os malaquias da cidade. Marconi com a boca torta gritava de lá: - Vamos Zé, decida a comunidade precisa de você, o carneiro tá aqui amarrado no pára-choque do carro de som. E botava o microfone na matraca do carneiro esnobando: - Fala meu fi que você quer ficar na Vaca Morta, fala meu fi, vamos convencer Zé Negão. E o carneiro só fazia berrar no microfone. A galera dava gaitada a vontade.

Pra terminar a conversa e não cansar tanto os ói do leitor, quando viu a coisa esquentando pro lado dele, ou seja, toda comunidade ao lado de Renaldo e Marconi torcendo pela permanência do carneiro, Zé Negão saiu de fininho e cochichou no ouvido de um cabo eleitoral. Todos pensavam que o bicho ia ficar pro time, Marconi fazendo à média e Renaldo de lá levantando o dedão seco dando sinal de positivo. Com poucos minutos, um camarada chegou perto do carro de som e falou ao Marconi Edson: - olha meu amigo, o carneiro Zé Negão mandou me entregar, ele já foi embora e falou que de outra vez dar um prêmio melhor, portanto, dessa vez o bicho vai pra cidade.

Nisso Marconi anunciou que o Zé ia levar o carneiro pra casa e foi uma chiadeira desgraçada. Renaldo mudou logo de cor e Marconi nem se fala porque o bicho já é branco que só uma folha de papel ofício limpinha da silva. Zé Negão que não é besta, marcou uma data pra comer o carneiro junto de seus amigos e correligionários. A rasteira que o Limão pensou que ia dar no Negão está agora nos Causos & Contos. E acabou. - Ô estória sem graça! É de tua conta rapaz? Faz o teu!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

A cantiga de Zé no Dia da Consciência Negra

Estamos de volta com mais um conto depois de ter passado alguns dias ausente de Afogados da Ingazeira. Não custou muito e me veio à cabeça um causo que aconteceu em uma escola na vizinha cidade de Tabira no final de 2008, numa turma de 3ª série.

O dia da Consciência Negra é comemorado no dia 20 de novembro, por ser o dia em que Zumbi dos Palmares, líder do mais emblemático quilombo do país, morreu, em 1695.

O objetivo da homenagem é promover a reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira, como modo de reduzir o racismo e a discriminação. É, mas nem todos sabem disso.

Pois bem, a professora resolveu trabalhar com os alunos o Dia da Consciência Negra, como forma de superar o preconceito e mostrar a desigualdade ainda existente por esse mundo a fora.

O trabalho apresentado individualmente deu no que falar. Vários trabalhos foram apresentados na dita sala. Aplausos não faltavam porque os trabalhos estavam acima da expectativa; a professora coitada já tava rouca de tanto gritar de emoção.

Trabalho vai, trabalho vem. A meninada estava mais animada do que pinto em merda. De repente chega á vez de José Limeira, um garoto pacato lá do Feijão Puro, um bairro existente na cidade.

A professora com as goelas ardendo gritou: - atenção minha gente, vamos ouvir o que tem a falar o coleguinha de vocês sobre o Dia da Consciência Negra, comemorado hoje.

A classe toda parou pra ouvir. Também depois do grito da sofredora, quem bixiga ia mais dar um piu? O menino se viu rodeado de colegas e pensou que ia arrasar com o diabo de uma cantiga, aprendida não sei onde, nem quero saber, diga-se de passagem, ô cantiguinha feia da brucuta!

Depois de muito silêncio, acanhado por ver tantos outros professores, o garoto passou a mão na cara, lambeu os beiço e disse: - eu vou cantar pra vocês uma musiquinha muito bonita que fala sobre os nego. Vocês vão adorar. Ai os colegas gritaram: - canta, canta, canta!

Sem receio nenhum Zé danou o gogó pra riba sem tom e sem rima:

- nego do suvaco fedorento, rela a bunda no cimento, pra ganhar mil e quinhento! E repetiu: - nego do suvaco fedorento, rela a bunda no cimento, pra ganhar mil e quinhento! Foi gargalhada pra todo lado, teve menino que se esparramou pelo chão, feito manga mole.

A professora aperreada freou a cantiga do garoto: - Pára, pára, pára! Que música mais feia menino, onde foi que você aprendeu isso? O menino todo sem jeito respondeu: - perto de casa tem um moleque que todo dia canta, então de tanto ouvir aprendi.
O fato é real e merece ser tratado com muito respeito, pois, ainda nos dias de hoje existem estes ensinamentos em muitos locais onde a Consciência Negra não chegou definitivamente.

sábado, 6 de junho de 2009

Batendo Orelha – O Guri e o Potro

Nasceu o potrilho, lindo e gordo, filho de égua boa e leiteira, crioula de campo de lei.
O guri era mimoso, dormindo em cama limpa e comendo em mesa farta.
Já de sobreano fizeram uma recolhida grande, sentaram-lhe uns pealos, apertaram-no pelas orelhas e pela cola e a marca em brasa chiou-lhe na picanha.
Andaria nos oito anos quando lhe meteram nas mãos a cartilha das letras e o mestre-régio começou a indicar-lhe as unhas, de palmatoadas.
O potrilho coiceou, na marca. O menino meteu fios de cabelo nos olhos de Santa Luzia...
Em potranco, acompanhava a manada e retouçava com as potrancas, sem mal nenhum.
O rapazinho rezava o terço e brincava de esconder com as meninas... o que custou-lhe uma sapeca de vara de marmeleiro.
Quando o potrilho foi se enfeitando para repontar, o pastor velho meteu-lhe os cascos e mais, a dente, botou-o campo fora: fosse rufiar lá longe!...
O gurizote, já taludo, quis passar-se demais com uma prima...; o tio deu-lhe um chá-de-casca-de-vaca, que saiu cinza e fedeu a rato!...
O potro andava corrido, farejando... Mas nem uma petiça arrastadeira d’água e poronguda achou, para consolo da vida. Té que o caparam.
O mocito, que era pimpão, foi mandado incorporar. Sentaram-lhe a farda no lombo.
Mal sarou da ferida o potro foi pegado: corcoveou, berrou; quebraram-lhe a boca a tirões, dividiram-lhe a barriga com a cincha, quis planchar-se, e lanharam-lhe as virilhas a rebenque e as paletas a roseta de espora. Tiraram-lhe as cócegas... Ficou redomão.
O recruta marcou passo, horas, pra aprender; entrou na forma; agüentou descomposturas; deu umas bofetadas num cabo e gurniu solitária e guarda dobrada, por quinze dias. Cortaram-lhe o cabelo à escovinha e ficou apontado. Era o faxineiro do esquadrão.
Houve uns apuros de precisão... O rocim foi vendido em lote, para o regimento.
Tocou a reunir: era uma ordem de marcha, urgente. O faxineiro recebeu lança, espadão e tercerola.
Quando a cavalhada chegou o primeiro serviço dos sargentos foi assinalar os novos; era simples e ligeiro; um talho de faca na orelha, rachando-a. Bagual assim, virava reiúno.
Quando tocou o bota-sela, o faxineiro estava na porteira, de buçal na mão, esperando a vez. O laçador laçava, chamava a praça e esta enfrenava... e cada um roía o osso que lhe tocava.
- Chê! Enfrena!...
Foi o reiúno que caiu pro recruta.
Aí se juntaram os dois parecidos, o bicho e o homem. E a sorte levou os dois, de parceria, pelo tempo adiante. Curtiram fome, juntos, cada um do seu comer. E sede. E frio. E cansaço, mataduras e manqueiras; cheiros de pólvora e respingos de sangue, barulho de músicas, tronar grosso e pipoquear, nas guerrilhas.
E de saúde, assim, assim... Um teve sarnagem, o outro apanhou muquiranas; se um batia a mutuca, o outro caçava as pulgas.
Quando, no verão, o reiúno pelechava, também o faxineiro deixava de sofrer dor de dentes.
Passados anos, o mancarrão já nem engordava mais, e todo ovado estava. O fiscal do regimento, sem uma palavra de – Deus te pague – mandou vendê-lo em leilão, como um cisco da estrebaria. Um carroceiro comprou-o, por patacão e meio, com as ferraduras.
Passados anos, o praça, aquele, teve baixa, por incapaz, com o bofe em petição de miséria; e saiu da fileira sem mais família e sem saber oficio. Saiu com cinco patacas, de resto do soldo, e sem o capote. Foi então ser carregador de esquina.
O reiúno apanhava do carroceiro, como boi ladrão!
O carregador levava dos fregueses descompostura, de criar bicho!
O reiúno deu em empacar.
O carregador pegou a traguear.
O carroceiro um dia, furioso, meteu o cabo do relho entre as orelhas do empacador e... matou-o.
A policia uma noite prendeu o borrachão, que resistiu entonado; apanhou estouros... e foi para o hospital, golfando sangue; e esticou o molambo.
O engraçado dessa vida é que há gente que se julga muito superior aos reiúnos; e sabe lá quanto reiúno inveja a sorte da gente...

quinta-feira, 28 de maio de 2009

As muriçocas do soldado Biró


Soldado Biró é uma figura bastante conhecida na cidade de Serra Talhada. Ele trabalhou muitos anos na sede14° BPM – Batalhão Coronel PM Manoel de Souza Ferraz, tanto que acabou se reformando na unidade há pouco mais de três anos. É um desses camaradas cheio de macaquice, quem trabalhou com ele é testemunha disso. Cheguei à referida OME em junho de 1997. Meio acanhado e sem conhecer nenhum companheiro no primeiro dia dei logo de cara com o dito cujo, varrendo o Corpo da Guarda, com um cigarrão daqueles do Paraguai no bico. Um pé no coturno, outro numa sandália havaiana, o cabelo grande feito à peste e a sobrancelha assanhada. Vez por outra passava um companheiro e o cumprimentava: - fala Biró! Fiquei pensando comigo mesmo:
- Oxente, que nome mais feio pra um guerreiro? O pé de bomba respondia numa animação tremenda, o sorriso com os dentes cariados da fumaça proveniente da chupeta do cão, ia de uma orelha a outro. Ah, mas cada um é feliz ao seu modo...

Semanas depois passei a conhecer melhor o faxineiro, que de faxina não sabia nada. Apanhava uma bituca de cigarro e em seguida deixava quinze que fumava. Perto das biatas ele ainda dava uma escarrada que a bicha parecia mais lama de porco em chiqueiro de pobre. Descobri que o danado gostava mesmo da gaiatice, apesar dos milhares de cabelos brancos na cabeça e no bigode, faiado feito taba de pirulito. Quando Biró baixava pra pegar algo no chão deixava aparecer uma mardita cueca, sofrida que nem o Rio Pajeú que recebe diariamente uma tonelada de dejetos através de esgotos, sem levar em consideração o lixo jogado as suas margens. Acho que tá mais do que na hora de Valadares criar uma diretoria de Meio Ambiente, afinal a quem vamos reclamar? Mas deixa o Barão em paz, ele é sangue bom e sabe muito bem o que fazer. Ninguém melhor do que ele no Sertão do Pajeú para se blindar e argumentar... Agora faço com Zé Bozó, mostre!

Sempre que chega um Comandante num Batalhão desses no interior, os policiais ficam apreensivos quanto à forma de gerenciamento. Uns cobram demasiadamente e oferecem poucas condições a praçaiada, outros o fazem de forma diferenciada, ou seja, cobra operacionalidade, mas em contra partida oferecem condições, posso citar como exemplo o atual comandante do 14º Batalhão major Aragão. A tropa inteira gosta do seu trabalho. Certa feita havia se apresentado um novo comandante na OME em tela. O oficial acabara de ter deixado a Capital e nada conhecia no interior. Trouxe consigo aquele sotaque bem recifense e conversava no pátio interno do Batalhão com outro oficial. Preocupado com a dormida à noite o comandante perguntou a um Capitão:

- Aqui no sertão tem pernilongo?

O Capitão respondeu discretamente:

- Sim Coronel, sempre aparece.

Nisso, Biró tava apanhando lixo próximo aos dois oficiais e timbungou na conversa:

- Oxe, Coroné, aqui tem muriçoca feito à peste. Tem delas que a gente pega no achaprão, pra dizer (alçapão), outras a minineira mata de balieira pra comer com feijão no armoço. É cada uma que dar um paimo, outro dia uma me chupou quase dois litros de sangue quando eu estava cochilando no quarto de hora aqui no quartel, fui parar no hospital amarelo que nem catarro de tuberculoso.

Indignado porque o soldado interferiu na conversa, o Coronel falou:

- Soldado reconheça seu lugar, ninguém lhe chamou na conversa, recolha-se a sua insignificância!

Descabriado, Biró olhou para o Comandante e finalizou:

- Pois tá certo coroné, depois que as muriçocas carregarem o senhor com cama e tudo e lhe deixar aqui no pátio, o senhor não diga que foi falta de aviso. Outro dia elas carregaram uma geladeira só porque a bicha tinha um pedaço de figo de boi e vossa excelência sabe que figo cheira a sangue. Até hoje ninguém sabem onde tá a geladeirinha consul que gelava água pra nós. Outro dia um sordado disse que viu-la no aeroporto. Será que as bichas tem força coroné?

Sem saber o que dizer o Comandante olhou pra cá, pra lá e acabou dando uma risada. Já imaginou o camarada ouvir umas abobrinhas dessas e ficar sisudo? Nem o homem mais chato do planeta dos macacos escutava uma coisa dessa sem abrir a lata. Depois de 15 anos o pé inchado veio parar no causos e contos do Itamar França. Biró se reformou como 3º sargento e trabalha de mototaxista em Serra Talhada, na chamada viração da aposentadoria. O fato de fato aconteceu. Fui!!!!

sábado, 23 de maio de 2009

O aperreio do vereador Renaldo Lima


Quando vereador em outra legislatura, Renaldo Lima, entrava na Câmara calado e saía mudo. O infeliz pegou logo uma época em que se elegeram vereadores metidos a atuantes. De um lado da bancada, Augusto Martins e do outro Hamilton Marques. Era farpas pra todo lado e o Limão no meio assistindo a um espetáculo, cujas cenas se restringiam aos citados protagonistas.

Um fazia que defendia o povo, ou melhor, o governo, ôpa, o próprio interesse, e o outro fazia que defendia a bancada de oposição. Naquele tempo a Câmara Municipal era casa cheia. O povo fazia questão de comparecer as sessões, afinal tinha Zé Ioni, Renaldo Lima e Ana Maria Santos que não tinha papa na língua e descia a madeira com força em todo mundo.

Mas o tempo passa e as pessoas mudam... Um dia desses perguntei a própria Ana Maria por que mudou da água pro vinho. Ela respondeu que não tem explicação. Aconteceu naturalmente da noite pro dia. Para alguns, a danada perdeu muito em ter se calado. Prova disso é que nunca mais voltou a Casa Monsenhor Arruda Câmara. Mas deixa pra lá, Ana está melhor do que nunca!

Numa sessão daquelas em que o clima estava pra lá de quente, Renaldo Lima estava mais assustado do que um sibito baleado numa gaiola e um peste de um gato querendo rapá-lo no bucho. Os ói do bixiguento estavam em tempo de estourar. A tremedeira tomava conta do pós-comunista, afinal Limão estava no PPS de Augusto Martins. Imagine uma dupla caceteira dessa no Legislativo.

Antes o nosso vice tinha atitude para arrebentar a boca do balão e exerceu muito bem sua função na defesa dos interesses do povo. Foi um dos mais atuantes parlamentares da história política de Afogados da Ingazeira. Não sei por que mudou a postura de uma forma tão radical. Na verdade não sabemos o que aconteceu com Martins. Mas vamos ao que interessa. Que danado eu tenho haver com a vida do nosso amigo?

Durante o pronunciamento de Hamilton Marques a madeira cantou nos lombos da bancada liderada por Martins. Nem bem terminava as palavras do Hamilton e o ex-apresentador do programa “Papo Legal” já tava lá retrucando a altura, pois, conhecemos a inteligência do Fonseca. Renaldo Lima tremia mais do que vara verde e torcia que o Presidente da Casa não lhe concedesse palavra. Mas foi tudo em vão. De repente Erickson Torres, soltou no microfone: - Eu passo a palavra ao vereador Renaldo Lima. Isso sem o mardito pedir.

Num momento inusitado naquele Poder Legislativo, o Limão ficou da cor de um capucho de aigodão como diz o matuto. Olhou para a bancada de situação, olhou para o público presente, bateu no microfone com o bico dos dedos secos que parecem mais um esqueleto e testou: - Alô som, alô som, alô som, alô som, teste, teste, teste, teste, alô som, alô som, alô som e quase que não pára com esta história de alô som. O pior é que deu um branco em Limão e coitado travou como jumento ruim que deita no chão e dar a peste pra sair do canto. Nem um ferrão quente tirava Renaldo do prego naquele momento.

Aí o Presidente da Casa Erickson Torres falou do outro lado: - O nobre vereador quer trocar de microfone?

Assustado qui nem um viado com medo de um leão, Lima respondeu: - Eu agradeço excelência, mas passo o meu tempo de falar para o líder da bancada Augusto Martins.

Assim que concluiu as palavras o Limão tava tão nervoso que deixou o microfone cair. O amassão foi tão grande no dito cujo que este não serviu para nada depois do tal pronunciamento. A cabeça do mangote ficou infincada no chão. Parecia até que o magrelo tava com uma brasa na mão. Todo público presente na Câmara, inclusive os pares do Limão caiu na risada.

domingo, 17 de maio de 2009

Quem é o pai da criança?

Por Gilberto Moura

Dona Isaura foi batizar a filhinha de um ano e frei Alberto começou o interrogatório:
-Nome?
-Ambrosina.
-Nome da mãe?-
A Isaura que vos fala.
-Pai?- ....
-Ou diz o nome do pai, ou não batizo.
-Seu frei, já que o senhor insiste, lá vai: Frei Cirilo.
-Ôxente, e Frei Cirilo tirou a batina?!
-Não. Segurou com os dentes.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

O Processo do diabo

Escrito por Luis Campos

Isso de que o “diabo” teria sido processado em Flores, faz parte inerente, já da tradição histórica da velha cidade. A noticia , sem qualquer prova autentica, veio sendo transmitida de geração em geração, ao longo dos séculos XIX e XX e renomados historiadores tratam dela. Assim como o ímã ao ferro e o aroma à flor, ligou-se o “processo do diabo” à memória de Flores a tal ponto que não se pode falar de uma sem se referir a outro. O assunto, sem ser lenda, não pode, todavia, freqüentar os salões nobres da história.

Permanece nas antecâmaras da mera tradição histórica da terra. Os autos processos não existem em Flores, não se tem provas de que tenha mesmo existido e nem informações seguras onde estejam. Como nódoa de azeite parece tudo haver começado nos meados do século XIX, quando atuavam na política florense o Ten.- Cel. Nogueira da Paz (liberal) e o Major Manuel Pereira (conservador). Uma versão (Dr. Edilton Santana) fala que uma negra forra, ex-escrava de Manuel Pereira, teria sido encontrada morta, pendurada numa árvore, nos arredores da Vila.

A negra dizia-se fora dada ás prática de bruxarias, habilidades que trouxera da África. A autoridade Policial fez instaurar sindicância para esclarecer o fato. E cada pergunta sua, respondiam os informantes, por uma só voz, que a morte da vítima se dera por “artes do demo, artes do tinhoso”. Outra versão (Dona Maria Stella de Siqueira Campos) dá conta de que o corpo de um homem fora encontrado nas proximidades da Villa, também pendurado por uma corda, no galho de uma árvore.

O assassino não deixara pista. Suspeitos não havia. Tomada as providências policias, instaurado o inquérito, foram ouvidos os vizinhos mais próximos. O processo foi remetido ao juiz do crime. Todas as testemunhas, entretanto, respondiam ao magistrado que a vítima não tinha inimigos. A cada pergunta do juiz, uma resposta evasiva. Ninguém sabia de nada. E quando o juiz perguntava de frente, sobre a autoria do crime, cada testemunha respondia: “só se foi o diabo, Doutor!” E o juiz, certamente convencido do mistério que envolvia o crime, decidiu da o processo uma solução esquisita: condenou o “diabo”, nas penas da lei.

E Flores voltou á sua rotina. Acrescenta Dª Maria Stella, que em 30 de dezembro de 1916, quando o governador Manuel Borba visitou Flores, teria solicitado ao Escrivão do Segundo Cartório, Ladislau Nunes de Souza Barros, que lhe mostrasse a curiosa peça jurídica, tendo sido satisfeita a sua curiosidade. Anos mais tarde, soube-se que o processo havia sido remetido para o Rio de Janeiro, mas disso não ficaria recibo. As filhas do escrivão Ladislau, confirmaram a ocorrência, mas, sem algum museu. Outro boato surgiu de que ele estivesse na Bahia. Enfim, o “processo do diabo”, em Flores, como lá dizia o sertanejo, só sendo coisa do “fute”!

terça-feira, 12 de maio de 2009

Zé Fidélis e a fossa de Moacir Queiroz

Cidade pequena é a peste pra viver de gambiarra, feito casa de gente pobre naqueles morros no Rio de Janeiro, construídas de tábuas de embalagens de bacalhau. Os casebres fedem mais do que aquelas fateiras que passam trinta dias sem lavar o cedém.

Mas esquece o Rio de Janeiro que aqui também tem casa de taipa que só a gota serena! O tal do bicudo vadeia nas costas das veias quando vão drumi após umas tragadas gostosas num cachimbo rústico e mal lapidado; geralmente comprado em bancos de feira.

Certa feita Zé Wilson do Gelinho foi contratado para limpar uma fossa de Moacir Queiroz Leite, comerciante bastante conhecido na cidade. Se fosse numa cidade grande, o trabalho seria executado por um motorista, dois técnicos de maquinário, profissionais desentupidores, vestidos de forma padronizada, usando macacões, luvas, botas, e tudo mais...

Como aqui tudo é no jeitinho brasileiro, os caras limpam fossas descalços, nus da barriga pra cima e sem nenhuma proteção, desgotam tanques que retêm bostas, recebem esgotos, dejetos, águas servidas e mijo de toda cor, verde, amarelo, cinza e pingado... Ah, mais para eles é uma baita festa. Cada um é feliz com o que tem. Tem gente que mesmo tendo, vive numa tristeza infernal dando coice em todo mundo. É uma infelicidade!

Quando destampou a lage da dita cuja, Gelinho levou logo um supapo no pau da venta que quase caiu de costas com o fedor de bosta do ricaço da época. Logo merda de rico fede mais do que a de pobre, não sei se é porque eles só comem besteira, ou o intestino não trabalha bem como os dos pobres. Menino novinho de roça come até besouro rola bosta e não tem uma dor de barriga, mas menino de rico se levar um pingo de chuva, minha nossa, fica resfriado. Ô frescura!

Dois companheiros auxiliavam Zé Wilson na triste tarefa, Gil Gomes e Zé Fidélis, do Bairro São Brás, o primeiro já falecido, o segundo irmão do finado Nenê Grude, um grande admirador do ex-deputado Antonio Mariano. Gil Gomes timbugou na merda e ficou dentro da fossa enchendo as latas e entregando a Zé Fidélis na parde de cima. Gelinho apenas coordenava os trabalhos e se resguardou a tomar todas, melou o bico, mas bem devagar. Já os seus ajudantes se excederam na branquinha e ficaram chapados. Na vigésima lata de bosta, Zé Fidélis não fazia mais um quatro e começou ficar pra lá e pra cá na beira da fossa, parecia vara de bambu.

Gil Gomes também baleado pela Pitu já tava com a cara toda coberta de merda. Enquanto descascava uns cocos Zé Wilson se descuidou dos ajudantes e entertido no vai e vem da faca, ouviu aquela coisa borbulhando e correu assustado pra ver. Meu amigo, quando chegou à fossa, notou que Zé Fidélis tinha caído de cabeça e tava com os pés pra cima, plantando bananeira, e Gil Gomes estava boiando de focinho pra baixo.

Gelinho se aperreou pulou na piscina e salvou os dois sujeitos que estava com o rabo cheio de cachaça. Pra terminar a história deitou os camaradas no chão de papo pra cima e quando apertou na barriga de Fidélis subiu uma goipada de merda que foi bater na cara da empregada que estava ao lado rindo dos pé inchados. Depois de algumas horas eles retornaram, mas estavam com merda até nos ói. E o pior é que a bicha secou e deu um trabalho desgramado pra tirar. O cabelo de Zé Fidélis ficou mais duro do que o de Dedeu Bola cheia e do pintor Zé Rolinha. Quando ia saindo da casa Gil Gomes foi cobrar o serviço a Zé Wilson aí Zé Fidélis gritou:

- Eita fedor de merda da porra Gil Gomes fecha essa matraca!

Aí Gelinho retrucou:

- cala a boca Fidélis a tua tá fedendo mais do que a dele.

Fidélis que de besta na tem nada, cobrou de Geladinho:

- Então leve a gente lá em Chico Cotó enfermeiro pra ele fazer uma lavagem no estombo da gente!

Esta história é verídica. Zé Wilson do Geladinho já não está mais entre a gente mais deixa esta lembrança para os leitores do Causos & Contos.

A descoberta do voto de Agnaldo Silva

Escrita por Marenice Oliveira

Como aqui quem manda é o freguês, tome mais um causo escrito e enviado pela minha amiga Marenice Oliveira. Ela é promotora de eventos na região e adora contar causos.

Aguinaldo Silva figura que apresenta todos os sábados o Programa Sábado Livre foi pego de surpresa durante uma entrevista na Rádio Pajeú quando se falava sobre a eleição do Grêmio Estudantil da Escola Padre Carlos Cotat.

Num é que o danado se comprometeu com os dois candidatos que disputavam à direção do Grêmio Estudantil?

Durante a entrevista o radialista Nill Júnior disse no ar:

- afinal você prometeu voto aos dois candidatos Agnaldo?

Ele disse com a maior naturalidade:

- foi Nill, a gente tem que agradar a todos eles, no final nem um nem outro ficou chateado comigo.

Então falei, mas se isso cai na boca de Itamar França vai para o Causos & Contos dele.

Ele ficou tão apreensivo que perguntou:

- será Marenice que isso vai parar no blog do itamar? Será que Nil Júnior quis dizer que sou traíra e ele mesmo ria com essa história toda?

Mas ele garante que não, porque não teve como falar já que o programa estava acabando. Agnaldo disse que tem personalidade e duvida fazer assim na política.

"LATINORIUM"

Não faz muito tempo o Latim era disciplina obrigatória no ginásio, com aperfeiçoamento para aqueles que seguiam o curso Clássico. Aprendiam todos a declinar a “rosa” e o “qui, quae, quod”. Os mais espertos acompanhavam César na travessia do Rubicão ou chegavam a declamar as catilinárias de Cícero.

No vestibular de Direito, o latim era eliminatório. E muito se exigia, como ainda se faz preciso, no estudo do Direito Romano.
Hoje é língua morta. Talvez a usem os padres na leitura do breviário ou nas visitas a Roma. Não mais em missas, batizados ou qualquer outro ato litúrgico.

Apesar disso, e mesmo sem que ninguém o estude, o Latim continua vivo e de largo uso na linguagem forense, tanto a falada quando a escrita. Sabem-no de ouvido ou por erudita leitura já os estudantes, capricham nele os aplicados estagiários e fartam-se de usá-lo os causídicos militantes, assim como os jurisconsultos e magistrados, abrilhantando seus arrazoados ou decisórios.

Acontece que, por incúria ou natural desconhecimento, cometem-se certas barbaridades no uso da língua. Algumas vezes passam desapercebidas, ou até se disseminam como expressões de alto louvor. Por exemplo, é bastante usada a expressão “data vênia”, em sinal de respeitosa discordância. Mas há quem não se contente, e prefira o superlativo “datíssima vênia”, em inadmissível aportuguesamento do tempo verbal.

Não poucas vezes ocorre confusão do tradutor. Como no caso do recém - formado que, açodadamente, trocou uma petição de “Habeas Corpus” por “Corpus Christi”. Pior ainda a referência ao célebre conclamo de César – “alea jacta est”, que uma famosa causídica afogadense entendeu como “o alho está no jacá” (“sic”).
Mais curiosa e engraçada a inicial de inventários narrando que o “de cujus” deixou uma decuja e dois decujinhos... Se era latinista, o autor da herança deve ter se revirado no túmulo.

Há quem se ofenda, por estranhar os termos da citação. Assim, no colégio ouve o aluno: “Mater tua mala burra est”. De pronto, rebate: “É a sua!”, quando na verdade apenas se disse: “Tua mãe come maças estragadas”.

Muito feio quando se erra na pronúncia. E o risco é grande em face da invasão do inglês. Em sustentação oral, pedindo o adiamento da audiência por estarem as partes em vias de composição, frisou o peticionário que a prorrogação temporal haveria de ser “saine daie”(“sine die”) .

Fato real, bem pitoresco, deu-se na sala de audiência de uma Vara Criminal curitibana. Era um caso de lesão corporal simples, sem testemunhas de acusação, a vítima desaparecida. Como o réu alegará legítima defesa, certamente seria absolvido. Apesar disso o defensor fez questão de ouvir suas três testemunhas. Aconteceu que a terceira, para surpresa geral, disse que tinha presenciado a briga.

E desatou a falar, contando que o réu havia provocado e perseguido a vítima, sem razão plausível, aplicando-lhe imerecido pontapé no traseiro. Então o promotor, comentando a situação desfavorável ao réu, ocasionada pela sua própria defesa, fez uma observação jocosa: “Pois é, dizem que “quod abundat non nocet”(o que abunda não prejudica), mas desta vez o “abundat” prejudicou!”. O advogado entendeu mal a última expressão e lançou indignado protesto ao meritíssimo juiz, em defesa de seu cliente e da própria moralidade da Justiça!

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Nêgo Daniel e o Circo do He Man em Carnaíba


O amigo Darésio fez uma observação muito oportuna em relação ao blog Causos & Contos. Segundo ele os textos estão demasiadamente cumpridos, o que na maioria das vezes desestimula a leitura. Como aqui quem manda é o freguês nós vamos a partir deste momento procurar ser mais objetivo.

No final dos anos 90 passou em Carnaíba um circo que tinha como principal atração um homem branco, de cabelos cumpridos, apelidado de He Man. Desde que me entendi de gente, nunca vi uma criatura tão forte. Interessante é que ele fazia a abertura de seus árduos trabalhos com um agradecimento ao Deus de Davi, de Jacó e de José. O público ficava boquiaberto com tamanha fé.

A cada dia o espetáculo do pequeno circo era mais atraente aos olhos dos espectadores, isso porque He Man enfrentava vinte homens sozinho e botava todos pra correr a socos e pernadas. Até velho de 80 anos em cadeira de roda ia assistir o lutador descer a lenha em seus obstinados desafiantes. Foi o maior sucesso a passagem do personagem no Sertão do Pajeú.

Durante manhã e tarde o carro de som anunciava pelas ruas de Carnaíba, mais um espetáculo e claro a grande atração da noite. Ao som do microfone de um Opala azul, diga-se de passagem, velho e caindo os tacos, um magricelo de cabelo encaracolado anunciava:
-Não perca logo mais à noite mais um espetáculo do Circo Transamérica. Hoje a cobra vai fumar com a turma do Nêgo Daniel enfrentando o He Man. A madeira vai deitar com a galera do alto Santa Luzia!

Eu estava de serviço próximo ao Banco do Brasil, mesmo no auge do famoso mosquetão, o chamado pau de ferro dos policiais militares, hoje resta somente à lembrança dos coitados, encontrados apenas em museus. O carro rodou o dia inteiro e não deu sossego a população anunciando o Nêgo Daniel como principal desafiante de He Man. Passei a tarde toda imaginando que o desafiante seria um homem robusto, moreno, malhado e acima de tudo caceteiro nas pegadas.

Ah, mais isso estava na imaginação de muita gente. Quando a rumbeira balançou o esqueleto pra galera dar uma salva de vaias, as arquibancadas já estavam repletas, sem espaço nem para Darésio dar um pêido daqueles... O vendedor de pipocas, algodão doce e daquelas maçãs avermelhadas cobertas de mel por cima já tinham enchido o tolé. Não sobrou nenhuma pra contar a história. Eita He Man de um cartaz da bexiga! Parecia Didi da Felicidade quando estava em seus dias de glória. Quando o ex-prefeito contava sua história de vida uma multidão chorava emocionada. Com o tempo veio Anchieta e deu um ultimato no drama.

Mas deixa pra lá que o homem está voltando com a febre tife nos couros e disse que aí de quem enfrentá-lo. O Patriota afirmou que faz seu sucessor folgadamente. Mas Lisboa com sua sapiência contesta... Quando o locutor anunciou a entrada de He Man no ringue, foi aplauso feito à peste, os velhos ficaram inquietos e correram pra frente no intuito de ver a fera de perto. Só que a fera que eles queriam ver era o Nêgo Daniel, propagado nos carros de som durante o dia todo. O apresentador conferiu as cordas do ringue, e quando convidou o negão para o centro do ringue, eu que estava distraído só ouvi as vaias. Os assobios tomaram conta do espaço e confesso que fiquei môco, môco, môco.

O Nêgo Daniel havia subido no ringue. O miserável parecia um grilo falante. Coxo de uma perna, cabelo encaracolado, cambito fino, tatuagens pelos ossos e com estampa de sibito o danado ganhou vaia e assobios feitos à peste. O desgraçado entrou com um cigarro no bico, parecia o cão chupando manga. Quando He Man botou os pés nas tábuas, ou melhor, as pranchas, o ringue balançou feito geléia. Os demais desafiantes também subiram e foi dado o início da luta. Na primeira tacada que tomou no pé das orelhas, Nêgo Daniel quase voou por cima do ringue. Procurou terra nos pés e não encontrou. Correu pra um lado, correu pra outro e He Man atrás, o povo ria a bersa, mas o negão coitado tava assustado feito gato com medo de leão dentro de jaula de circo.

Naquele meio, Nêgo Daniel inventou de emburacar nas brechas para correr, mas os próprios comparsas fecharam os cantos da corda impedindo a fuga dele que era o “cabeça” da turma do Alto. Quando descuidaram um pouquinho ele passou numa brecha a mais de mil com as costas vermelha ardendo que só pimenta malagueta na boca de menino novo. A maloqueirada que ficou para enfrentar o He man abriu dos paus e em menos de dois minutos o espetáculo havia terminado. Só sobrou pra polícia porque a mundiça partiu atrás do dono do circo com a gota serena querendo a devolução do dinheiro. Só se ouvias as ameaças:

-Aquele Nêgo safado vai me pagar, se eu pegá-lo a pisa que vou dar nele vai ser maior do que a do He Man. Quero meu dinheiro de volta, vim ao circo para ver briga e não atleta de cem metros. Se aquele infeliz me aparecer vou quebrá-lo todonho. No outro dia Nêgo Daniel estava no circo com uma chupeta do cão na boca e soltando fumaça na cara dos bestas. Ninguém disse nada com o mardito. Anos depois, Daniel se suicidou. Passou a corda no pescoço e quando o acharam já estava morto. No seu enterro tinha apenas três pessoas. O caixão quase não chega ao Cemitério de Carnaíba. Registrou-se na história da terra da poesia como o enterro que compareceu o menor número de pessoas até os dias de hoje.

HISTÓRIAS DE UMA ÍNDIA PANKARARU

Por Gilberto Moura

Dos muitos irmãos que tenho, apenas eu, o mais velho e mais andejo teve oportunidade de conviver mais de perto, ainda que por breve tempo,com nossa avó paterna. Antonia Maria da Conceição era índia pankararu da região de Petrolandia, Tacaratu, Jatobá, Caraibeiras, onde hoje se localiza a reserva daquela nação.

Era índia mas não era indolente, tinha uma inquietude que a mantinha sempre ativa, seja na atividade de rendeira de bilros, seja na roça ou na pesca. Naquela época o São Francisco não tinha esse horror de barragens a tolher o caminho dos peixes e das enchentes.

Quando criança, e eu já fui criança, uma ou duas vezes visitei minha avó india em Petrolândia e também a aldeia, onde "Mãe Tonha", como os netos a chamavam, plantava amendoim para fazer paçocas e pés-de-moleque que vendiam nos bodegas da região. Uma dessas visitas coincidiu com a época de plantação do amendoin e quando Mãe Tonha foi plantar seu roçado me levou junto.

Na passagem pelo terreiro da aldeia, nos acompanhou uns quatro ou cinco curumins. Chegando na roça, Mãe Tonha organizou a tarefa: Ela iria na frente abrindo as covas e eu mais os outros meninos, os curumins, iriamos atrás deitando as sementes, fechando as covas e assobiando.
Sim, assobiando!

Segundo minha avó, o amendoin que é plantado ao som de assobios de crianças dá boa safra em qualidade e quantidade já o que é plantado em silêncio não prospera, não desenvolve.
E assim foi, a índia na frente com o enxadeco abrindo as covas e a molecada atrás, caraíba e curumins, assobiando, jogando semente e fechando as covas. De vez em quando Mãe Tonha ralhava:

Vamos assobiar gente!

Não pode parar de jeito nenhum!

Todo mundo assobiando!

Quando terminamos estava todo mundo sem fôlego de tanto assobio. Passaram-se os anos e sempre que eu via amendoim sempre me lembrava da forma correta, segundo minha avó índia, de plantar tal lavoura. Somente no final de sua vida, já beirando os 90 anos é que a india velha me contou o verdadeiro segredo do amendoim. A conversa deu-se em Petrolina onde ela passava uns tempos com minha tia Maria Limeira. Perguntou Mãe Tonha:
- Tu lembra da roça de amendoim em Tacaratu
Respondi:
- Claro que lembro, ajudei a plantar uma vez, assobiando até ficar sem bico!
E emendei:
- Assobiar plantando amendoim garante boa safra mesmo? Tem fundamento isso?
Ela respondeu já sem conter o ar de gozação:
- Se tem "afundamento" não "seio" mas que os "menino" não "come" as "semente", não "come"!

Fiquei sem ação, a história do assobio era para que ninguém comesse as sementes de amendoim, aqueles grãos enormes, que mesmo crus são deliciosos. Deve haver alguma relação com o tal ditado que fala de assobiar e chupar cana.

 
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