Andar faceiro de rolinha branca, que sai catando pedrinhas no chão. Estes versos iniciam uma bela composição do saudoso Zé Marcolino. Tive oportunidade de vê-lo cantar algumas vezes esta canção, não sei se chegou a ser gravada, enaltece essa ave do sertão nordestino que a passos ligeiros circulam pelos terreiros das casas à procura de alimentos e pedrinhas que alojadas no seu papo ajudam no processo digestivo.
Quando menino, reconheço que não pensava desta forma e através de uma maldade inocente não via a singela beleza dessa ave, pelo contrário, munido de uma baleeira ficava escondido por trás das árvores esperando o momento de atacar lançando uma pedra certeira.
Às vezes encontrávamos os ninhos, construídos com pedacinhos de madeira ou capim, camas macias e perfeitas presas aos galhos das árvores. Por pura crueldade retirávamos os filhotes e prendíamos em gaiolas, fabricávamos uma espécie de mingau com farinha e água que servia de alimento até a idade que passavam a se alimentar sozinhos. Presos continuavam por toda vida, cantavam uma canção triste e repetida, expressando talvez o desejo proibido de voar.
O tempo passou e as rolinhas brancas mesmo com a proibição do IBAMA estão em processo de extinção. O sertão está diferente e a infância não é mais inocente. Restam-nos as lembranças de uma época que não pode ser esquecida.
Por Severino Nunes de Melo
sábado, 5 de dezembro de 2009
Rolinha branca
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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Caboclo Ferreira e o tamanduá
Quando os galos começaram cantar, Caboclo Ferreira já seguia o caminho do sítio Betânia para mais um dia de serviços limpando mato na fazenda de Jacinto Dantas. A noite estava fria e escura, mal dava para ele enxergar o vulto da sua Baleia, cachorrinha de estimação e companheira de todas as horas.
Em determinada momento sentiu a falta do animal, olhou em volta, escutou e nem o sinal de Baleia. Ficou intrigado, para onde ela teria ido, era noite e os preás ainda estavam dormindo nas locas das pedras, portanto não era hora de caçar.
Envolto nestes pensamentos, ouviu o latido da cachorrinha e pela maneira como ela latia, com certeza, tratava-se de uma caça grande, poderia ser inclusive onça pintada. Correu o mais rápido que pode e chegando ao pé da serra, na entrada de uma gruta, constatou que era um tamanduá e não estava para brincadeiras, pois encostado a uma pedra esperava de braços abertos o momento certo de atacar.
Com a chegada de Caboclo, Baleia tornou-se afoita e avançou sobre o tamanduá. Travou-se uma briga desigual a caça tinha o dobro do tamanho da cadelinha e umas unhas que além de grandes eram afiadas. Vendo aquela situação Caboclo pulou em cima do bicho, estava desarmado, nem uma faca ele tinha na cintura, mas para defender sua amiga ele enfrentava qualquer parada.
O tamanduá soltou a cachorrinha e atacou Caboclo, enfiando uma das unhas na palma de sua mão. O sangue começou a escorrer, várias tentativas de se soltar foram feitas sem sucesso, procurou uma pedra ou um pedaço de pau e não encontrou. A situação era complicada e como não restava mais alternativa, segurou com a outra mão e focinho do animal e começou a roer. Meia hora depois, quando começava a mastigar os miolos o agressor entregou os pontos, soltando a mão de Caboclo.
O dia estava clareando quando Caboclo todo ensangüentado chegou à fazenda, sendo interrogado pelo fazendeiro contou toda a aventura. Curioso, Jacinto Dantas perguntou: E se ele não tivesse soltado tua mão? Caboclo respondeu: soltava, pois eu ia mastigar até o rabo.
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MILONGA
Milonga é doidinho e vive catando coisinhas no chão, na cidade de São José do Egito e ninguém (nem ele mesmo) lhe sabe o nome, ou de onde veio.
Mulato e baixinho, tem o tipo físico dos habitantes da zona canavieira de Pernambuco, lugar de onde acham que ele veio.
Solícito, não é homem para negar um mandado a ninguém, por isso, um lhe dá a roupa outro a comida e assim vai tocando a sua vida, debaixo da benevolência e da imensa piedade de Deus.
Otacílio era um rapaz ainda muito novo, quando morreu de um “sucesso”.
Uma “Lazarina” de cano fino, uma medida de chumbo seis, outra de pólvora “Elefante”, duas buchas de corda bem vaquetadas, uma espoleta “Pica-pau”, e um garrancho que bateu na queixa da espingarda, que era “muito doce” (espingarda doce é aquela que dispara com muita facilidade e que a gente conduz com muito cuidado, nos braços, assim como quem carrega roupa engomada), promoveram o tiro que lhe varou a titela.
O que foi uma pena pois era um rapaz muito moço ainda.
Como ninguém tinha coragem de dar a notícia ao seu avô, já velhinho e morando a uma certa distância, Milonga se encarregou de ser o emissário de tão triste novidade .para o coitado que era louco pelo neto a quem chamava de Tercílio por que não conseguia pronunciar-lhe o nome corretamente.
Lá vai Milonga cumprir a sua missão macabra... Encontra o velhinho, sentado numa espreguiçadeira, na sala da casinha onde morava, conversando com as suas “apragatas”, assuntando coisas da vida, sem importância.
Milonga, sem “arrodeios”, botou a cabeça na janela e foi logo anunciando a tragédia:
– Seu Chiquinho, sabe Tercílio, seu neto ?
– Sim, o que foi que houve?
– Morreu! – Morreu dum tiro de espingarda, lá nele, bem na caixa dos peitos!
O pobre não se conteve:
– Ah meu Deus, meu neto morreu e eu não quero mais viver, eu quero ir junto com ele!, Eu quero ir pro céu com ele!
Milonga, que a tudo assistia impassível, foi providencial:
– Apois ”côide” logo, seu Chiquinho, que já tão fechando o caixão!
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