quarta-feira, 8 de julho de 2009

A BOLA DE COURO DE TOTONHO


Reiteradas vezes me referi ao neto de Seu Zeca Pereira, nosso atual prefeito como “coronel”, e tantas vezes o fiz que, ao que parece, tornou-se uso geral no município e região. É voz corrente, como diz o ditado, que “quem sai aos seus não degenera”, mas como em tudo há exceções, o nosso coronel é a antítese do seu falecido avô, pessoa de quem privei da amizade quando eu era criança e junto com toda a molecada, filhos de ferroviários, nascida e criada na Rua da Estação, caçávamos passarinhos, preás, brincávamos de índio e furtávamos frutas em suas terras.

Seu Zeca era um enigma. Ao mesmo tempo em que vigiava seu pomar, rico em mangueiras, gravioleiras, pinheiras, cajueiros e goiabeiras, quando nos encontrava na plataforma da estação, aonde ia diariamente ver a passagem dos trens de passageiros, nos perguntava pelo estado de maturidade da fruta da época.

Dizia Seu Zeca: - Limeirinha, as mangas já estão boas prá mandar pros meninos no “Ricifi”?

Limeirinha respondia: - Tão não Seu Zeca, ainda não tão nem inchadas, vai mais uns 15 dias.

Retrucava Seu Zeca, sério: - Olhe lá rapaz! Quando estiverem boas avise que é prá mandar despachar um caixote de mangas pros meninos em “Ricifi”.

- Pode deixar Seu Zeca, pode deixar...
Assim é que Limeirinha, Eraldo, Paulo e Aluisio Gomes, Nelson, Lídio e João Lucena, Genecy, Genival e Gildo Feitosa, Luciano e Cacá Cabral e vários outros, colhíamos frutas para os tais caixotes “pros meninos em Ricifi” nas mesmas fruteiras onde fazíamos como diz o gaúcho, “a serventia no alheio”.

Nas férias escolares, principalmente nos finais de ano, os tais “meninos do Ricifi” apareciam em Afogados. Era uma turma curiosa, boas roupas, bons brinquedos, bicicletas novas, cabelos bem cortados, sapatos brilhando, mas nunca os vi na casa de quem lhes mandava os caixotes de frutas, acho que tinham medo de carrapicho nas roupas bonitas. Eles tinham de tudo, inclusive um time de futebol com uniformes e bola de couro, o BAC (Balalaica Atlético Clube). Na minha ignorância de infante matuto, achava engraçado o termo e só muito depois fui descobrir que balalaica é instrumento musical de cordas, semelhante ao banjo, e usado por um dos personagens do clássico de cinema Dr. Jivago. Além de ricos, os “meninos do Ricifi” eram intelectualizados, digo, atualizados com as artes e a literatura.

Mas, voltando à bola de couro do Balalaica e aos treinos promovidos por eles, num antigo campo que havia perto da delegacia, ali, por trás do antigo Ginásio Industrial. Nesses treinos, apesar dos meninos do “Ricifi” sempre trazerem amigos da capital, sempre faltavam jogadores para completar os times e foi nessas ocasiões que se revelou e creio se consolidou, o caráter autoritário de nosso Coronel, o danado, como o “dono da bola”, aquela maravilha em couro que todos queriam chutar, além de escalar os jogadores do seu time, queria, batia o pé, fazia questão de escalar os jogadores do time adversário, e se assim não fosse, ele colocava a bola debaixo do braço e ia embora, não tinha treino.

Como não há bem que sempre dure nem mal que nunca de acabe, um belo dia, a gangue da Rua da Estação planejou e colocou em prática a “expropriação” daquele objeto tão cobiçado. Digo expropriação, pois estávamos em pleno período revolucionário, acompanhávamos pelo rádio as aventuras de Che Guevara, Carlos Lamarca, admirávamos Marighela e o Comandante Mao com seu Livro Vermelho, afinal, éramos do proletariado, filhos da classe operária, de ferroviários nordestinos, cujo sindicato, presidido por Claudio Braga promoveu inúmeras paralisações dos trens, tanto na capital quando no interior. Quem tem mais de cinqüenta janeiros como eu tenho, sabe que em todo aquele plano inclinado desde defronte da casa de Zezé Rodrigues até a frente do antigo hospital não havia nada construído, era um matagal só, onde o mata-pasto media mais de 2 metros de altura.

Então, num desses treinos, a bola do Coronel foi chutada para dentro do mata-pasto e desapareceu “misteriosamente”, por mais que se procurasse. Somente ressurgiu depois que os meninos voltaram para o “Ricifi”, daí por diante, serviu de instrumento para as mais calorosas e animadas peladas na esplanada da estação e
no campo do Ferroviário, aquele dentro do viradouro, no caminho da Pitombeira.

Hoje, o Coronel é prefeito, mas continua “o dono-da-bola”.

Por Gilberto Carvalho de Moura

domingo, 5 de julho de 2009

A vaca que tirou o sossego do prefeito João Alves Filho


Afogados da Ingazeira já teve um magote de prefeitos bons. Mas também teve deles ruim que só a palavra teje preso. Já ia esquecendo de registrar a passagem de uma prefeita, única na história até os dias de hoje. Entre os muitos que passaram lembro-me de Antonio Mariano de Brito que pegou um tempo ruim da febre do rato, como diz o ingnorantiu. Ah, mas o “Cavaleiro da Paz”, apelido colocado pelo radialista Carlos Ribeiro ajudou muita gente. Foi o político da pobreza. O Pneu de estepe achou de assumir a prefeitura mesmo nos quatro anos de seca. Se Graciliano Ramos tivesse passado por aqui ele ia ver a miséria do nosso povo...

O que era de caixão de defunto, de remédio, latra de leite, pacote de café e de bolacha, ele dava. Fora os coros de rato que andava nos bolsos. Vez por outra distribuía pros pé inchado encher o tolé de cachaça. Tinha uma infame de uma bolacha chamada Peteca, ô bicha ruim cachorra da molesta. Era a mais barata nos mercados. Minha mãe só comprava dela. Eu reclamava que só a bixiga. Não devia nem fazer tanta lamentação, quem mandou nascer pobre. Fica na tua rapaz! “É melhor ser pobre e ter a consciência tranqüila do que ter tudo com o remorso da desonestidade”. Tem um padre que toda hora diz isso na Rádio Pajeú. De tanto ouvir gravei no meu pobre subconsciente e não esqueço nem que a vaca tussa.

Depois que deixou a prefeitura, o “Cavaleiro da Paz” que chorava melhor dos que aqueles atores de novela em cima dos palanques, apresentou João Alves Filho como seu sucessor. O danado até que era gente boa. Honesto, trabalhador, transparente, mas era mais grosso do que papel de enrolar prego. Isso já tá manjado! Eu tô te perguntando cabra besta, mais manjado do que o jeito de Antonio Mariano fazer política e o povo ainda cai na dele! Tem uns intrusos que não nos deixa terminar a história, vai te lascar! Pois bem, seu Joãozinho ganhou a eleição e muita gente pensava que ele ia ser igual, ou melhor, do que o Mariano. Quebraram a cara. Seu Joãozinho era do estilo Barão Valadares, dizia as coisas na cara, com ele não tinha meio termo. Era uma ingnorâncias daquelas sem malícia nem maldade, uma coisa bem natural de um homem sério da roça.Trouxe muitos benefícios pra cidade. Ajudou a uma infinidade de pessoas dentro daquilo que ele via necessidade. Naquele tempo não existia essa política mesquinha.

As famílias se davam ao respeito. Hoje os pais não têm mais domínio sobre os filhos, ou seja, aquele espírito antigo de liderança. Isso tomou doril. Hoje qualquer candidato majoritário vai pedir voto numa casa aí quando vê o adesivo pregado na porta fica logo assustado, mas o cabra grita lá da cozinha: - quem vota no candidato do cartaz é meu pai, eu voto em quem me ajudar! O político que não é besta pergunta: - qual é o problema meu amigo se aprochegue? Na maior cara de pau o mardito fala bem mansinho: - Tô precisando de uma Carta de Habilitação, você é quem sabe, tem eu e minha noiva, eu garanto ainda lhe arrumar uns dez votos.

Olha que a gente fica com a brucuta quando escuta um sinistro desse. Triste dos políticos do Brasil se não fossem estes imbecis. Geni do Bar inventou de ser candidato a vereador e não deu um alfinete, mas também o triste não teve o primeiro voto, até o dele ele errou na hora de votar. Depois da eleição o petebista andava com um caderno entrevistando o povo: - você votou em mim? Claro, todo mundo ia dizer que sim. O povo é falso que só pêido de frango que sai do furico sem dar sinal algum. Geni já tava com uma lista de 1.146 pessoas que disseram ter votado nele. Coitado, depois dessa resolveu nunca mais entrar em política.

Mas voltando ao assunto, um carro havia atropelado uma vaca no Sítio Curral Velho, na zona rural do município de Afogados da Ingazeira, o dono do animal querendo tirar o prejuízo foi até a casa de seu Joãozinho pedir que ele autorizasse abatê-lo no Matadouro Público, ou seja, tirar o couro e aproveitar a carne vendendo aos amigos e até nas tarimbas do Açougue. O prefeito disse em alto e bom tom que não admitia e foi logo dispensando o proprietário que estava junto com dois amigos. Eles até que insistiram, mas seu Joãozinho não deu ouvido. Minutos depois chegaram mais dois amigos do proprietário da vaca e pediram novamente a seu Joãzinho para abater o animal e a resposta já foi com uma polpa daquelas: - Eu já disse que não, cadê o dono da vaca que eu quero dizer umas verdades a ele. Ora, será que a gente não tem direito de ficar em paz nem em casa, façam o favor de não mais vir aqui tratar desse assunto. Estou de saco cheio!

Por arte do cão, um parente de Antonio Gomes, comprador de gado, adoeceu e precisava urgentemente de uma ambulância. Como era eleitor do vereador João Amaral, Antonio Gomes o procurou para ir até a casa do ilustre prefeito. Não deu outra, eles foram bater lá. Animado João Amaral disse a Antonio Gomes: - pode deixar Antonio, vou resolver isso numa boa com Joãzinho, não é possível que um vereador não seja bem recebido na casa dele, inda mais eu que votei e trabalhei pra ele. Você vai ver a receptividade, nunca fui à casa de prefeito nenhum, esta é a primeira vez e espero que fique na história. Partiram os dois na maior tranqüilidade. Quando chegaram à casa do prefeito o encontraram assistindo ao Jornal Nacional. O vereador João Amaral bateu palma e gritou: - ô de casa! Seu Joãozinho resmungou do sofá: - não dou nem às horas.

Ele pensava que eram outras pessoas que estavam a sua procura para pedir pelo proprietário da vaca atropelada. João Amaral bateu palmas novamente e disse baixinho: - não é possível rapaz, Joãozinho está me desconsiderando. Vou chamar só mais uma vez, se ele não vier nós vamos embora: - ô de casa! Nisso seu Joãozinho pula do sofá com uma cara feia da gota serena, pior do que um maribondo quando vai dar uma ferruada na cara de um cristão. Aperreado e fechando o zíper da calça respondeu num tom daqueles, parecido com o Barão Valadares quando está com os cachorros da molesta nos couros: - Eu já disse que não viesse na minha porta, não mato, não mato e não mato! Aí João Amaral falou: que história de matar João, eu vim aqui resolver uma coisa e você vem com quatro pedras na mão. Bora Antonio deixa ele aí, pensei que ia ser bem recebido na sua casa, como a gente se engana.

Joãozinho todo desconcertado falou: - espere aí João Amaral, eu pensei que você vinha pedir pra abater a vaca daquele cabra importuno do Curral Velho. Aí o vereador disse: - que diabo de vaca rapaz, eu tenho nada a ver com isso, eu vim aqui falar um carro pra Antonio Gomes levar um parente pra Recife. Pra demover a fúria do Amaral, Joãozinho falou com muita educação: - sendo assim entre e vamos ver sua situação. Eu tô cum a cabeça Frumigando de raiva, se eu pudesse não ouvia falar em vaca hoje. Quem quiser seu meu amigo não fale desse bicho aqui dentro de casa. João Amaral respondeu: - Tu já vem com tuas ingnorâncias? Se ficar assim eu vou embora. Joãozinho fumaçando pelos ouvidos disse: - o que boba serena houve cum tu João, ô cabra bruto, inda dizem que o ingnorante sou eu, oxe!

 
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