quinta-feira, 7 de maio de 2009

HISTÓRIAS DE UMA ÍNDIA PANKARARU

Por Gilberto Moura

Dos muitos irmãos que tenho, apenas eu, o mais velho e mais andejo teve oportunidade de conviver mais de perto, ainda que por breve tempo,com nossa avó paterna. Antonia Maria da Conceição era índia pankararu da região de Petrolandia, Tacaratu, Jatobá, Caraibeiras, onde hoje se localiza a reserva daquela nação.

Era índia mas não era indolente, tinha uma inquietude que a mantinha sempre ativa, seja na atividade de rendeira de bilros, seja na roça ou na pesca. Naquela época o São Francisco não tinha esse horror de barragens a tolher o caminho dos peixes e das enchentes.

Quando criança, e eu já fui criança, uma ou duas vezes visitei minha avó india em Petrolândia e também a aldeia, onde "Mãe Tonha", como os netos a chamavam, plantava amendoim para fazer paçocas e pés-de-moleque que vendiam nos bodegas da região. Uma dessas visitas coincidiu com a época de plantação do amendoin e quando Mãe Tonha foi plantar seu roçado me levou junto.

Na passagem pelo terreiro da aldeia, nos acompanhou uns quatro ou cinco curumins. Chegando na roça, Mãe Tonha organizou a tarefa: Ela iria na frente abrindo as covas e eu mais os outros meninos, os curumins, iriamos atrás deitando as sementes, fechando as covas e assobiando.
Sim, assobiando!

Segundo minha avó, o amendoin que é plantado ao som de assobios de crianças dá boa safra em qualidade e quantidade já o que é plantado em silêncio não prospera, não desenvolve.
E assim foi, a índia na frente com o enxadeco abrindo as covas e a molecada atrás, caraíba e curumins, assobiando, jogando semente e fechando as covas. De vez em quando Mãe Tonha ralhava:

Vamos assobiar gente!

Não pode parar de jeito nenhum!

Todo mundo assobiando!

Quando terminamos estava todo mundo sem fôlego de tanto assobio. Passaram-se os anos e sempre que eu via amendoim sempre me lembrava da forma correta, segundo minha avó índia, de plantar tal lavoura. Somente no final de sua vida, já beirando os 90 anos é que a india velha me contou o verdadeiro segredo do amendoim. A conversa deu-se em Petrolina onde ela passava uns tempos com minha tia Maria Limeira. Perguntou Mãe Tonha:
- Tu lembra da roça de amendoim em Tacaratu
Respondi:
- Claro que lembro, ajudei a plantar uma vez, assobiando até ficar sem bico!
E emendei:
- Assobiar plantando amendoim garante boa safra mesmo? Tem fundamento isso?
Ela respondeu já sem conter o ar de gozação:
- Se tem "afundamento" não "seio" mas que os "menino" não "come" as "semente", não "come"!

Fiquei sem ação, a história do assobio era para que ninguém comesse as sementes de amendoim, aqueles grãos enormes, que mesmo crus são deliciosos. Deve haver alguma relação com o tal ditado que fala de assobiar e chupar cana.

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